Título: O caos no Equador
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2007, Notas e Informações, p. A3

Os equatorianos gostam da confusão e do caos. Quando o presidente Rafael Correa assumiu a presidência, em 15 de janeiro, as pesquisas davam-lhe 61% de aceitação e popularidade. Dois meses depois, esse índice havia caído para 48%. Mas, nos 30 dias seguintes, acentuaram-se a discórdia entre as facções políticas e a guerra entre instituições - e a popularidade do presidente subiu para 73%. Parece ser da inquietação civil e da desordem que vive um país que teve oito presidentes em 10 anos. Em outros tempos, dir-se-ia que se tratava de uma república de bananas. Agora, é apenas um país que busca ¿inserir¿ as massas, especialmente os indígenas, na vida nacional e trata de instituir o ¿socialismo do século 21¿ - o conceito inventado pelo coronel Hugo Chávez e que ninguém, nem mesmo ele, consegue explicar o que seja.

O que se passa no Equador é de uma simplicidade cruel. Naquele país, que já teve 20 Constituições, as instituições não funcionam. Na verdade, são caprichosamente feitas para não funcionar ou, melhor dizendo, para proporcionar crises periódicas. A crise desses dias, por exemplo, decorre de uma construção constitucional feita sob medida para a prática do esporte nacional: derrubar governos e perseguir políticos rivais.

A cúpula do Poder Judiciário é composta por três tribunais. No alto da pirâmide está a Corte Suprema de Justiça, com juízes escolhidos por concurso e atribuições limitadas - daí ficar esquecida num canto. Abaixo vêm o Tribunal Constitucional e o Tribunal Supremo Eleitoral, com membros nomeados pelo Congresso. O primeiro é formado por juízes com mandato de quatro anos. O segundo tem sete juízes, escolhidos segundo a representação proporcional dos partidos no Congresso. Com isso, o partido majoritário no Congresso também é majoritário na corte encarregada de organizar as eleições e dirimir as questões eleitorais.

Durante o período eleitoral, o Tribunal Constitucional recolhe-se a uma espécie de recesso, ficando o Tribunal Supremo Eleitoral como única instância superior para a solução de dissídios legais. Proclamados os resultados das eleições, o Tribunal Constitucional reassume suas funções.

No começo de março, aberta a temporada eleitoral com a edição de decretos presidenciais convocando um plebiscito para decidir sobre a convocação de uma Assembléia Constituinte, o Tribunal Supremo Eleitoral cassou o mandato de 57 dos 100 deputados que se opunham à consulta popular - entre outras coisas, porque não havia sido convocada pelo Congresso -, acusando-os de obstruir a Justiça. Os suplentes assumiram suas cadeiras no Congresso e, contrariando a orientação de seus partidos, coonestaram a realização do plebiscito. É claro que o presidente Rafael Correa conduziu toda essa manobra.

Finalmente convocadas as eleições para a Constituinte, o Tribunal Constitucional voltou a funcionar e uma de suas primeiras decisões foi restituir o mandato a 51 deputados cassados, que haviam entrado com ações judiciais contra o ato da Justiça Eleitoral. Conhecida a decisão, o Congresso, com o voto decisivo dos 57 suplentes em exercício, cassou o mandato dos juízes do Tribunal Constitucional e anulou a sentença.

Todos esses fatos transcorreram com a intensa participação do povão que tomou conta das ruas de Quito. Os deputados cassados em março foram escorraçados do Congresso por uma turba enfurecida. Da mesma forma, foram impedidos de retornar ao prédio. Os juízes depostos do Tribunal Constitucional foram retirados às pressas e podem dar-se por felizes por terem levado apenas uns cascudos. Na rua, manifestantes enraivecidos aguardavam com paus, pedras e pedaços de vergalhões de aço para dar um corretivo aos infratores da vontade popular.

Pelo menos 6 dos deputados cassados fugiram para a Colômbia, onde devem pedir asilo político. Outros 18 devem seguir o mesmo caminho. Enquanto isso, o presidente Rafael Correa mandava dizer que não perseguia deputados. ¿O governo não tem nada a ver com a disputa entre os Poderes Legislativo e Judiciário.¿

Claro que tem. Tudo isso faz parte do projeto político de Rafael Correa que, embora negue, segue nas linhas básicas - mas não em tudo, é verdade - o exemplo do coronel Hugo Chávez.