Título: 'Orçamento não atende às necessidades da Força'
Autor: Godoy, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2007, Nacional, p. A5

O principal gabinete do ¿Forte Apache¿, a reservada sede do Comando do Exército, em Brasília, está ocupado por um torcedor do Clube de Regatas Flamengo.

Um torcedor peculiar. O general Enzo Martins Peri, novo comandante da Força, acompanha o desempenho do time da mesma forma como faz todas as manhãs a leitura dos quatro principais jornais brasileiros: sob minuciosa atenção e com grande discrição.

Aos 66 anos, 47 dos quais dedicados à vida na caserna, o general Enzo chega ao posto máximo do Exército em um momento delicado. Há insatisfação interna com a falta de verbas para os programas de reequipamento e de reestruturação dos salários - esse último é assunto que ele remete ao Ministério da Defesa, ¿a quem cabe acompanhar e apresentar propostas de adequação dos vencimentos do pessoal militar¿. Antes de assumir o Comando, no dia 8 de março, o general chefiava o Departamento de Engenharia e Construção, um dos maiores contingentes do Exército, com oito batalhões envolvidos em obras de infra-estrutura em todo o País.

A experiência, reconhece, influenciou sua escala de prioridades no novo cargo: ¿aumentar a presença na Amazônia, reaparelhar a Força e atender a família militar¿, o que, de certa forma, remete à discussão salarial. Seu pacote de missões abrange ainda a transferência dos cerca de 3,5 mil homens de uma brigada completa, do Rio de Janeiro para a calha do Rio Negro, no Amazonas, e o início da fase executiva do programa de aquisição de novos blindados, leves e pesados.

Enzo Peri é um homem de fala pausada. De acordo com os colaboradores próximos, especializou-se em encurtar reuniões adotando um estilo objetivo e calmo. Um dos primeiros briefings do dia é dedicado à análise do resumo do noticiário nacional e internacional. Consome no máximo 20 minutos. O despacho dos processos e da agenda mantém a mesma cadência.

Solteiro, leitor de obras de história e de novelas policiais, católico praticante, o general Enzo acompanha as providências do Comando de Aviação do Exército, em Taubaté, para escoltar os deslocamentos em helicóptero do papa Bento XVI, em São Paulo, entre os dias 11 e 13. Seis aeronaves foram mobilizadas. Uma delas fará o sensoriamento eletrônico. Duas outras, do tipo AS-365K Pantera, voarão a meia distância, armadas com metralhadoras .50 - e levarão a bordo duas equipes das forças especiais.

Na sexta-feira, o general Enzo Martins Peri falou ao Estado. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Qual é a situação orçamentária do Exército?

O orçamento (R$ 17,1 bilhões em 2007) não tem atendido, nos últimos 30 anos, às necessidades da Força. Considerada apenas a reposição de equipamentos obsoletos - com base em uma vida média de 25 anos para o material - haveria necessidade de renovação de 4% do inventário militar a cada ano. Esse índice não tem sido possível de atender.

Há recursos suficientes?

A quase totalidade do orçamento tem sido destinada ao custeio de atividades correntes. A parcela para investimentos é muito restrita.

A vinculação por lei de recursos para a Defesa, como acontece no Chile, pode ser adotada no Brasil?

Uma fonte perene seria bem-vinda. Possibilitaria planejamento de aplicação, com mais credibilidade e aceitação.

Qual é o plano de reequipamento que o Exército precisa?

Hoje, são sete as prioridades referentes ao reaparelhamento: aquisição de novos veículos blindados; conclusão da implantação de brigadas de Operações Especiais, Blindadas e de Selva; renovação da artilharia antiaérea; compra de sistemas digitais de comunicações; de pontes flutuantes e embarcações; de novos veículos; aquisição de armamento e munições.

Quais são as etapas de expansão da estrutura de defesa da Amazônia que o sr. vai executar?

O principal projeto em curso é o da transferência da 2ª Brigada de Infantaria de Selva e unidades subordinadas, do Rio de Janeiro para o Rio Negro.

Onde o sr. situa os cenários de tensão para o Brasil?

Em um mundo de ameaças difusas ou repentinas é importante que o Exército tenha sua doutrina - aqui estou me referindo a organização, preparo e emprego - baseada em capacidades, mais do que em ameaças. O conjunto de recursos materiais e humanos deve estar pronto para atuar em qualquer cenário pela presença permanente na área, pela possibilidade de reforçar as forças lá existentes, aumentando assim a dissuasão estratégica contra o possível oponente.

O Comando do Exército acompanha a tendência das forças baseadas em instrução intensa, especialização e novas tecnologias?

Em uma situação restritiva de dinheiro, a Força Terrestre prioriza a atividade de ensino, aí considerada a formação, especialização e aperfeiçoamento de seus quadros. São requisitos mínimos para mantermos a capacidade de atualização nas artes militares modernas. Outro instrumento é a atualização da tropa em situação real, tal como acontece agora, no Haiti. Isso, todavia, não dispensa a atualização do material.