Título: Um ano depois da nacionalização, apagão do gás ronda a Bolívia
Autor: Pamplona, Nicola e Brito, Agnaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2007, Economia, p. B1

A Bolívia comemora amanhã um ano da nacionalização do setor de petróleo e gás, ainda sem ter reunido condições para o retorno dos investimentos estrangeiros. Desde o cerco do exército aos campos petrolíferos, em 1º de maio do ano passado, o país enfrentou uma série de conflitos políticos que retardaram a reorganização do setor.

Além disso, o ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, ameaçou na semana passada usar novamente o dia 1º de maio para a publicação de um decreto de expropriação das duas unidades da estatal brasileira. A última proposta do presidente Evo Morales prevê o pagamento de US$ 50 milhões, um quarto do valor dos ativos pedido pela Petrobrás.

Um ano depois da nacionalização, a situação da Bolívia é difícil. Apesar de as petroleiras terem assinado, sob pressão, 44 novos contratos de exploração e produção de gás, nada indica a volta investimentos, que, segundo o governo, precisam alcançar US$ 3 bilhões para assegurar o fornecimento para o mercado interno e o cumprimento dos contratos com Brasil e Argentina. Não há qualquer garantia de que isso ocorra no curto prazo.

¿Na Bolívia, muita gente acha que amanhã vão chegar os investimentos, mas é preciso resolver uma série de pendências¿, afirma Yussef Akly, gerente de Coordenação e Estratégia da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos (CBH), entidade que reúne as petroleiras. Ele cita como ponto crucial a expansão da rede de transportes e armazenagem de petróleo e gás, hoje operadas por Transredes e Companhia Logística de Hidrocarbonetos da Bolívia (CLHB). Controladas por companhias privadas, as duas devem passar, aponta a nacionalização, às mãos da YPFB.

A criação de infra-estrutura para escoar a produção é parte do problema. Ao tomar o controle do setor, a YPFB assumiu a responsabilidade de gerenciar toda a estratégia de exploração e produção do setor petrolífero. Com cerca de mil funcionários, a empresa ainda não reuniu condições para isso. Não existe plano de reestruturação da YPFB, sucateada nos anos 90.

REFINARIAS

No último ano, o governo Evo Morales centrou os esforços na negociação dos novos contratos de concessão de campos de petróleo e gás, aprovados pelo Congresso na semana passada. Além disso, estatizou, em 1º de julho, o segmento de distribuição de combustíveis, até então dividido entre sete companhias, incluindo a Petrobrás.

Mas foram deixados em segundo plano alguns pontos: a retomada das refinarias da Petrobrás, ponto em discussão neste momento, mas sem acordo devido ao preço de US$ 50 milhões ofertado pela Bolívia (a companhia quer US$ 200 milhões); e a transferência para a YPFB das ações de controle das empresas capitalizadas, modelo de privatização que dividiu a exploração e a produção da estatal em duas companhias com 49% do capital em mãos de fundos de pensão bolivianos e 51% com empresas privadas. Fazem parte da lista as produtoras Andina e Chaco, controladas por Repsol e British Petroleum.

A Bolívia tem apostado na retomada dos investimentos a partir da vigência dos novos contratos. Segundo Akly, isso é um erro. ¿Os contratos redefinem a relação entre Estado e companhias estrangeiras. Mas não definem como o setor petrolífero boliviano vai se desenvolver. Disso depende uma política nacional de desenvolvimento da indústria de hidrocarbonetos. É algo que não existe¿, diz.

O atraso dos investimentos pode criar um problema em breve para o país: a incapacidade de cumprir os contratos, mesmo a Bolívia tendo 26 trilhões de pés cúbicos em reservas, o suficiente para atender o Brasil, o mercado interno e o contrato com a Argentina.

O acordo com a Argentina é um bom exemplo: a licitação promovida no ano passado não atraiu gigantes como BG e Petrobrás e o governo não conseguiu garantir os volumes solicitados. Em outubro de 2006, o presidente argentino Néstor Kirchner assinou contrato com a Bolívia para a importação de 27,7 milhões de metros cúbicos de gás por dia. O contrato brasileiro é de 30 milhões de m³ por dia. Somados os contratos e o consumo interno, a Bolívia precisa produzir 75 milhões de m³ de gás por dia, que devem estar disponíveis entre 2010 e 2011.

Para especialistas, o temor é justificado pela inclinação de Evo a medidas contra empresas estrangeiras toda vez que a situação na Bolívia se complica. ¿Sempre que há distúrbio, Evo ameaça o Brasil, a Argentina ou as empresas privadas para desviar atenção¿, diz o analista Thiago de Aragão, da Arko Advice. A tensão interna vem se amenizando, diz o consultor Erasto Almeida, do Eurasia Group, mas Evo pode ser tentado a voltar a usar a nacionalização como elemento diversionista.