Título: Câmbio e reservas
Autor: Candiota, Luiz Augusto de Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2007, Economia, p. B2

O debate sobre a questão cambial tem sido intenso e, a meu ver, a tentativa de definir qual a taxa de câmbio nominal ideal para o País é sempre em vão, pois ela é função de uma série de variáveis interligadas que, por sua vez, possuem pesos diferentes ao longo do tempo na determinação do seu nível. Porém, o interessante é pensar sobre essa grande quantidade de variáveis e procurar entender seus impactos e conseqüências no dinamismo da economia que, por sua vez, é um ¿ser vivo¿, dinâmico e mutável a todo tempo.

O ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central recentemente mostraram preocupações com a possibilidade de uma ¿exagerada¿ apreciação cambial. Seja lá o que quiseram dizer com isso, sentar e esperar uma apreciação adicional do real não parece ser a melhor alternativa de acordo com os maestros da nossa economia, com o que concordo.

O que fazer se, pelo menos no futuro próximo, continuamos a esperar que o saldo de dólares ofertados ao País continue bastante positivo?

Outra alternativa seria impor restrições à entrada de capitais no País ou desonerar ainda mais as importações, sendo essa última já rejeitada por este governo. Por fim, a de aumentar o grau de incertezas na política de acumulação de reservas.

Quanto à imposição de restrições para com a entrada de capitais, de há muito sabemos que se torna apenas um jogo de ¿rouba montinho¿, em que o saldo global tende a ser de mais distorções e menor competitividade entre os agentes econômicos.

Assim, penso ser necessário incrementar o grau de incerteza na política de acumulação de reservas. Explico: hoje o governo teme por uma apreciação adicional de nossa moeda e o que ele faz para acomodar essa situação são leilões diários de compra de dólares à vista, quase sempre nos mesmos horários. Não há nada mais previsível que isso.

Abrindo parênteses, lembro-me bem, quando estava à frente da diretoria de Política Monetária do Banco Central, da grande discussão que tive com meus pares e superiores de governo de como deveríamos atuar para atingirmos o objetivo de redução da dívida atrelada ao dólar e incremento de reservas. Sugestões com regras fixas não faltaram, mas estou convencido de que o sucesso dessa política foi o de ter sido feita respeitando as condições instáveis e dinâmicas de mercado e de tê-la adequado no tempo a essas condições. Ou seja, explicitamos claramente a estratégia do que queríamos à época, mas jamais dissemos como a faríamos!

A política atual de acumulação de reservas não segue essa mesma lógica, pois a forma de sua implementação no dia-a-dia é plenamente conhecida. Ou seja, aqueles com condições de tirar proveito dessa situação possuem a faca e o queijo na mão, trabalhando com baixo risco e altos retornos.

Sugiro uma nova mecânica operacional a ser implementada pelo Banco Central. Penso que o incremento do prazo das operações e uma atuação de acordo com as condições dinâmicas de mercado (portanto, não previsíveis!) poderiam ser mais eficaz.

A operação se daria da seguinte forma: o Banco Central realizaria leilões eletrônicos, não diariamente, de compra futura de dólares a serem liquidadas em moeda (os swaps são ineficientes, pois dão um poder de fogo ao vendedor do risco cambial de no mínimo dez a vinte vezes mais quando comparados às operações com caixa, além de não incrementar as reservas). Os leilões seriam exatamente idênticos aos feitos atualmente com a única diferença de o serem para liquidação futura de moeda. Aliás, tal modalidade pode ser implementada a qualquer momento.

Para o sucesso das operações, os prazos devem ser longos, pois isso incrementa o risco do vendedor. Também é necessário que sejam para vencimentos diferentes dos do mercado futuro de dólar. A idéia aqui é que o vendedor da divisa abra riscos de descasamento de prazo longo no seu balanço e consuma grandes limites de crédito nas suas operações, limitando, assim, seu poder de alavancagem. Os prazos também não devem ser repetitivos, ou seja, o Banco Central poderia fazer um leilão para 274 dias, outro para 462 dias e assim por diante.

Hoje o crédito é abundante, mas, ainda assim, quando se necessita garantir a existência efetiva da entrega da moeda no futuro, os riscos de liquidez são bem maiores, já que há um comprometimento futuro do caixa em dólares das instituições financeiras, que sem a contrapartida imediata da compra desses dólares incrementam o risco do vendedor.

Penso que o que aconteceria seria a redução da pressão adicional advinda de posições vendidas de bancos no mercado à vista e de investidores no mercado futuro de curtíssimo prazo.

O comportamento ¿errático¿ do Banco Central, a meu ver, só traria benefícios, ao incrementar o nível de incertezas e ¿testar¿ a oferta futura de dólares.

O segredo será ¿calibrar¿ as operações de acordo com as condições presentes de mercado, mas essa é, e sempre foi, responsabilidade da autoridade monetária.