Título: O 1º de Maio e as relações de trabalho
Autor: Rocha, Marco Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2007, Economia, p. B2

A origem do 1º de Maio quase todo mundo conhece. É tema de vestibulares. O que aconteceu no dia 1º de Maio de 1886, em Chicago, nos Estados Unidos, passou para a história como um episódio de horror: a passeata de trabalhadores daquela cidade, em busca da redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias, terminou numa chacina praticada pela polícia, insuflada pelos patrões. Três anos depois, no Congresso Socialista realizado em Paris, foi instituído o dia 1º de Maio como aquele em que se homenageariam os trabalhadores de todo o mundo.

O que é menos conhecido dos escolares e dos vestibulandos é que os líderes daquele movimento de Chicago, a saber, August Spies, Albert Parsons, Sam Fieldem, Oscar Neeb, Adoph Fischer, Michael Schwab, Louis Lingg e Georg Engel, foram presos, julgados e condenados. No dia 11 de novembro, Spies, Engel, Fischer e Parsons foram executados na forca. Lingg tinha se suicidado. Fieldem e Schwab foram condenados à prisão perpétua e Neeb, a 15 anos de prisão.

Como se vê, o episódio não se resumiu à violência policial. A violência legal e judiciária norte-americana se encarregou de completar o trabalho.

Nos EUA o Labor Day é comemorado na primeira segunda-feira de setembro, e não no dia 1º de Maio, embora a American Federation of Labor (AFL) já existisse em 1886 e tivesse, no ano seguinte, aprovado a continuidade dos protestos e passeatas nos dias 1º de Maio nas cidades americanas.

No Brasil, o 1º de Maio foi oficializado como feriado nacional e Dia do Trabalho, por decreto do presidente Arthur Bernardes, em 1925, embora a primeira comemoração tenha ocorrido em 1895, em Santos, por iniciativa do Centro Socialista.

Toda essa introdução, que não tem novidade nenhuma, serve para algumas considerações sobre o que hoje chamamos de emprego formal - com carteira assinada, jornada de trabalho definida, descanso semanal remunerado, férias, décimo terceiro salário, recolhimento para aposentadoria do INSS partilhada com o empregador, recolhimento para o FGTS, etc. -, sonhado por multidões de brasileiros, mas conquistado e partilhado por muito poucos (comparativamente).

Em primeiro lugar, como se viu, sua história é muito tumultuada e muito recente no mundo. Correu sangue em toda parte para que se integrasse às instituições e às normas jurídicas das nações civilizadas. E, onde se consolidou, nem sempre é observado e cumprido, mesmo quando o chefe da Nação é um ex-dirigente sindical que deveria, acima de todos, enforce the law nesse terreno.

Em segundo lugar, como todo produto da história, este também teve uma trajetória de ascensão à qual pode seguir-se a da decadência.

O que conduz às perguntas que percorrem muitos dos seminários sobre as novas realidades e problemas trazidos pela economia globalizada: o emprego formal é uma instituição compatível com essas novas realidades? Não sendo, teria de dar lugar a outras formas de relações de trabalho, não necessariamente ¿trabalhistas¿? Será, afinal, inteiramente substituído?

No mundo e em diversos setores de atividade, isso já acontece, seja por imposição das peculiaridades dessas novas atividades, seja por conveniência mútua dos agentes envolvidos, contratantes e contratados.

O fato é que a tradicional oposição entre patrões e empregados, a contradição insanável de Marx, que deu origem à ¿luta de classes¿, à formação dos sindicatos, ao 1º de Maio de Chicago, à criação dos partidos de trabalhadores, socialistas ou comunistas, e, enfim, até mesmo, em parte, à guerra fria entre Rússia e EUA - que nada tinha a ver com a melhoria de vida dos trabalhadores e com o avanço das suas conquistas, embora fosse com isso confundida pelos inocentes úteis das duas facções, mas sim com a luta por hegemonia entre duas potências militares e econômicas -, essa contradição, aos poucos, foi e vai se diluindo numa convergência de interesses e objetivos de negócios em que todos vão se tornando donos ou sócios das ¿firmas¿. E, em conseqüência, se aliam numa espécie de associação produtiva integrada, em busca de abiscoitar maior market share e, assim, valorizar suas participações no negócio.

Isso não aconteceu por acaso. Começou com as formas de distribuição de lucros e de participação nos lucros que, hoje, se tornam uma radical partilha de resultados em alguns ramos de serviços, particularmente de serviços de alta tecnologia, como na produção de programas de TI ou nas atividades do show business e de muitas empresas de comunicação.

No Brasil, esse processo de integração objetiva dos agentes da produção foi desencadeado, pelo menos no seu início, pela crise econômica, de um lado, e pelo peso torturante das políticas fiscais e trabalhistas, de outro. Desde o final do governo Geisel até o início do Plano Real, durante cerca de 16 anos, portanto, a economia em baixa, a inflação em alta, os desatinos dos ¿planos de ajuste¿, as incertezas, a inviabilização do planejamento empresarial, mesmo de curto prazo, tudo tornava insuportáveis as imposições das leis trabalhistas em termos de custos, deveres e obrigações, mesmo nas empresas tradicionalmente cumpridoras. Contexto esse agravado pela jurisprudência da nossa Justiça do Trabalho de que ¿o empregado sempre tem razão¿, por ser ¿o lado mais fraco¿.

A saída foi o surgimento da ¿pessoa jurídica de duas pernas¿, vantajosa para as duas partes e que afasta o governo da relação. Na semana passada ela ganhou, do secretário da Receita, Jorge Rachid, o codinome oficial de ¿empresas personalíssimas¿, a serem ¿ordenhadas¿ pelo Fisco no substitutivo que ele pretende apresentar à Emenda 3. Esta assusta ainda os sindicatos, que também são afastados da nova relação que se estabelece entre o prestador do trabalho e seu contratante.