Título: Presente com o FAT
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2007, Notas e Informações, p. A3

Diante da forte oposição sindical, o governo adiou a decisão de usar dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para refinanciar débitos de agricultores com fornecedores privados. A idéia foi repudiada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e classificada como ¿acintosa¿. A Força Sindical qualificou a proposta como ¿absurda¿. O governo, segundo noticiou o Estado na segunda-feira, pretendia editar medida provisória para permitir o refinanciamento. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu reexaminar a iniciativa, depois de uma conversa com o novo ministro do Trabalho, Carlos Lupi. A resistência ao plano cria um desconforto político para o presidente.

Se a idéia for abandonada, Lula terá de pensar noutra forma de mostrar sua gratidão ao governador de Mato Grosso, o grande fazendeiro Blairo Maggi. Este foi, no meio ruralista, o principal defensor da reeleição, contrariando a orientação de seu partido. Naquele tempo, Maggi, hoje no PR, ainda era filiado ao PPS, comprometido com o candidato do PSDB.

O uso do dinheiro do FAT foi a fórmula encontrada pelos assessores mais próximos do presidente Lula para atender ao pleito do governador, empenhado em aliviar a situação de produtores, principalmente de Mato Grosso, endividados com fornecedores de insumos.

Mais uma vez a assessoria do presidente escorregou. Já havia escorregado, no começo do ano, ao recomendar a destinação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a projetos de infra-estrutura. Houve uma dura discussão, mas o governo conseguiu apoio de pelo menos uma parte dos sindicalistas, prometendo garantir o patrimônio dos trabalhadores. O passo seguinte foi a edição da Medida Provisória (MP) 349/07, parte do pacote legislativo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A MP ainda não foi aprovada no Congresso e sua conversão em lei continua duvidosa.

O presidente da República teve menos sorte, pelo menos até agora, no caso da liberação de recursos do FAT. As duas maiores centrais sindicais manifestaram sua oposição publicamente e em termos duros. Mesmo dentro do governo há resistência à idéia. A área técnica do Ministério do Trabalho concluiu, segundo o Estado, parecer contrário à edição da MP. O FAT, segundo eles, não tem folga de caixa para suportar mais esse compromisso.

Além disso, a edição da MP atropelaria o Conselho Deliberativo do FAT (Codefat), disse na segunda-feira o vice-presidente do órgão, Luiz Fernando Emediato, vinculado à Força Sindical. O FAT, lembrou o sindicalista, já mantém uma linha de financiamento ao setor rural, com empréstimos de R$ 3,9 bilhões em 2005.

O FAT é formado com recursos do PIS e do Pasep, recolhidos de empresas. Esse fundo foi criado com os objetivos principais de garantir o seguro-desemprego aos trabalhadores e proporcionar um abono periódico aos assalariados de baixa renda. O dinheiro tem sido usado também para outras finalidades, como programas de financiamento do BNDES, de acordo com prioridades econômicas do governo.

O uso desse dinheiro para refinanciar dívidas de fazendeiros com fornecedores privados afasta-se amplamente das finalidades legalmente admitidas. Não há nenhum bom argumento relativo à política econômica para justificar essa iniciativa. Esse refinanciamento seria apenas um presente, custeado com patrimônio dos trabalhadores, aos credores privados e aos produtores com dívidas. ¿Este socorro ao setor agrícola, da forma proposta, é um absurdo¿, afirma nota assinada pelo presidente da Força Sindical, o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT). ¿Nesse ritmo, quando o governo Lula terminar, não terá sobrado dinheiro nenhum nos fundos com recursos dos trabalhadores¿, acrescentou o deputado. Os críticos da iniciativa, no entanto, foram parcimoniosos. Iriam ao fundo da questão muito mais facilmente se apontassem o sentido político da manobra. Em português claro, a história assim se resume: o presidente Lula tenta pagar uma dívida eleitoral com dinheiro dos trabalhadores. Será isso aceitável?