Título: Um século em cem dias
Autor: Skaf, Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2007, Economia, p. B2

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acertadamente elegeu o crescimento econômico como bandeira de seu segundo mandato, referiu-se a essa prioridade fazendo analogia com o principal mote do seu colega Juscelino Kubitschek: 'Cinqüenta anos em cinco.' Em termos práticos, contudo, o chefe da Nação, nos primeiros cem dias de seu novo governo, desprezou oportunidade preciosa de iniciar o enfrentamento dos já crônicos obstáculos à prosperidade do País. No plano político, Lula demorou muito para definir o Ministério, abrindo espaço à velha prática do clientelismo, derrapou na questão da CPI do Apagão Aéreo e inverteu valores ao administrar o problema correlato dos controladores de vôo e da Aeronáutica. Contudo, os 51 milhões de votos (60,45% dos válidos) com os quais foi eleito lhe dão cacife e respaldo popular para superar tais tropeços. Por outro lado, impõem-lhe redobradas responsabilidades na gestão da economia, da qual dependem a sobrevivência com dignidade e a melhoria da qualidade de vida dos 190 milhões de brasileiros. Nesse aspecto, alguns números do primeiro trimestre de 2007 demonstram que o governo está repetindo alguns equívocos. O primeiro - e talvez mais danoso - refere-se à continuidade da curva ascendente da arrecadação federal, que, em janeiro e fevereiro, cresceu 10% acima da inflação. As despesas públicas, da mesma forma, mantêm sua deletéria expansão (4%, além dos índices inflacionários). Os efeitos colaterais desse descontrole fiscal são os juros altos e o câmbio sobrevalorizado, os dois 'pedágios' que os setores produtivos e a sociedade têm de pagar para manter a inflação comportada. Em economia, cada movimento causa uma conseqüência. Com o dólar baixo em relação ao real, as exportações ficam muito aquém da sua efetiva potencialidade. Sutil evidência do problema, que afeta de modo direto a indústria, se encontra nas estatísticas. Em 2006, o superávit da balança comercial foi de US$ 46 bilhões. Os 12 meses terminados em março - com a moeda norte-americana em sua menor cotação nos últimos anos - apontam saldo de US$ 45,5 bilhões. Ou seja, um recuo. Nesse cenário de juros e câmbio ainda inadequados, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado com pompa e circunstância em janeiro, parece não estar entusiasmando os empresários. Sondagem feita pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com empresas do setor indica que o PAC não alterou o plano de investimentos de 87,8% das entrevistadas. O mesmo estudo mostra que, para 82,7%, a maior restrição ao aporte de capital em projetos produtivos é a elevada carga tributária. Em segundo lugar, quanto aos entraves, se encontram o custo do financiamento, o baixo crescimento da economia e o câmbio valorizado (cada item com 45% das respostas). O pacote pró-crescimento do presidente Lula, infelizmente, não apresentou soluções para esses pontos. Por isso, o setor manufatureiro, como os demais, segue em moderada - e sonolenta! - estabilidade, tendo crescido 2,8% nos 12 meses encerrados em fevereiro de 2007. Todas essas informações e estatísticas tornam muito clara uma questão essencial: bem mais do que o conteúdo de um bem-intencionado PAC, o Brasil necessita realizar, e com urgência, as reformas política, tributária, previdenciária e trabalhista; e precisa iniciar, já, um processo rigoroso de responsabilidade fiscal, para reduzir os gastos públicos, fator condicionante à possibilidade de se rever a política monetária ancorada nos juros altos e câmbio sobrevalorizado. Estas lições de casa fundamentam um processo eficaz de crescimento sustentado. A ausência da sinalização de vontade política no sentido desses anseios da sociedade brasileira e dos setores produtivos se constituiu, com certeza, na marca frágil do início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Considerando a representatividade e a legitimidade, ambas superlativas, que lhe conferiu o resultado das urnas de outubro de 2006, ele desperdiçou a chance de plantar, em cem dias, um século de desenvolvimento. Contudo, ainda é tempo de transformar seu novo governo no marco histórico da redenção nacional. E não lhe faltará apoio. Nós, brasileiros em busca de um rápido e responsável crescimento, estamos prontos a ajudá-lo.