Título: Um basta a Chávez e Morales
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2007, Notas e Informações, p. A3

O governo boliviano poderá investir mais uma vez contra a Petrobrás em 1º de maio, um ano depois de ter invadido instalações da estatal brasileira com tropas do Exército. Desta vez, se a ameaça for confirmada, será para desapropriar duas refinarias. O aviso foi dado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo companheiro Evo Morales, durante a reunião de cúpula sul-americana encerrada terça-feira na Ilha Margarita, na Venezuela. Desta vez Lula foi menos compreensivo do que no ano passado. Ao saber da ameaça e da intenção do governo boliviano de pagar menos de metade do valor das instalações, estimado entre US$ 160 milhões e US$ 180 milhões, prometeu abandonar todos os planos da Petrobrás na Bolívia e trabalhar para outros investidores deixarem o país.

Se tivesse dado essa resposta há um ano, talvez o presidente brasileiro houvesse evitado uma porção de aborrecimentos. O Brasil se havia tornado alvo preferencial do nacional-populismo do novo governo boliviano. Era previsível a multiplicação de atritos, não só pelas pretensões políticas de Evo Morales, mas também por sua disposição de agir sob a orientação do companheiro venezuelano Hugo Chávez.

A atividade principal de Lula e de seus auxiliares, na 1ª Cúpula Energética Sul-Americana, realizada na Venezuela, foi neutralizar iniciativas contrárias aos interesses brasileiros. O balanço desse trabalho é apreciável. Em dois dias, a delegação do Brasil conseguiu deter uma campanha contrária ao programa nacional de biocombustíveis, frear o projeto de criação do Banco do Sul e barrar, pelo menos por enquanto, o projeto de formação de uma ¿Opep do Gás¿, defendido principalmente pelos governos boliviano, venezuelano e argentino.

O ministro boliviano da Energia, Carlos Villegas, chegou a anunciar a intenção brasileira de participar do cartel, mas essa informação foi rapidamente desmentida pelo chanceler Celso Amorim. ¿Não tem cabimento defender a `Opep do Gás¿ numa reunião como esta¿, disse o ministro brasileiro. ¿Se estamos envolvidos num esforço de integração, não podemos dividir consumidores de produtores de gás. Ao contrário, temos de conciliar e harmonizar seus interesses.¿

Na quarta-feira, jornais da Argentina apontaram o Brasil como vitorioso na conferência da Ilha Margarita. No balanço da reunião, mencionaram a rejeição da ¿Opep do Gás¿, a resistência brasileira à proposta do Banco do Sul nos termos defendidos por outros governos e a eliminação de qualquer referência crítica aos biocombustíveis no comunicado final. O jornal Ambito Financiero citou também a virtual paralisação das negociações sobre o gasoduto entre Venezuela e Argentina, proposto inicialmente pelos presidentes Hugo Chávez e Néstor Kirchner. ¿Ficou tudo com Lula¿, segundo o jornal.

A menção a vencedores e vencidos pode parecer estranha, quando se noticia uma reunião de cúpula destinada, segundo a propaganda oficial, a fortalecer a integração da América do Sul. Toda a retórica da integração tem sido baseada na tese de uma ampla comunidade de interesses. A conferência, no entanto, mostrou uma realidade muito distinta. Serviu principalmente para evidenciar divergências políticas e objetivos econômicos conflitantes.

O presidente Lula voltou da Venezuela na terça-feira à tarde e no dia seguinte reuniu-se durante cerca de quatro horas com o presidente da Petrobrás, Sergio Gabrielli. A duração da conversa forçou a mudança de sua agenda e o cancelamento da reunião com o grupo de coordenação política.

Ao chegar à Câmara dos Deputados, para falar a uma comissão especial, Gabrielli recusou comentar com os jornalistas o longo encontro com Lula. Mas anunciou aos deputados investimentos de US$ 22,4 bilhões na cadeia do gás até 2011. A oferta será triplicada até 2010, devendo passar dos atuais 42 milhões de metros cúbicos diários para 121 milhões. A maior parte do aumento será garantida pela produção nacional. O volume comprado da Bolívia pouco deverá crescer, devendo chegar a 30 milhões de metros cúbicos. Outros 20 milhões serão importados em estado líquido e 71 milhões serão produzidos internamente. Esses números certamente serão lidos com atenção em La Paz.