Título: O listão fisiológico do PMDB
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2007, Notas e Informações, p. A3

Escaldado pelos escândalos que trouxeram à luz ou tinham conexões com o mensalão, o presidente Lula mandou avisar aos companheiros e aliados que desta vez a sua prioridade é ter, em vez de políticos, ¿técnicos e funcionários de carreira¿, como informou o ministro de Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, nos cargos estratégicos da administração direta e das estatais. Lula mandou avisar também que cada ministro será responsável pelo que se passar na sua Pasta, mesmo quando envolver ocupantes de escalões inferiores que ele não tiver nomeado. Por fim, mandou avisar que excluiu do arrendamento do Estado nacional as funções de comando da Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Eletrobrás e BNDES. E para provar que falava sério confirmou nos seus postos os atuais titulares das três primeiras dessas empresas. Mas não está claro até que ponto ele poderá resistir ao apetite da tigrada a quem deve a espaçosa maioria de que desfruta na Câmara dos Deputados.

A questão de fundo consiste na legião de cargos de confiança existentes no setor estatal, cujo preenchimento é moeda de troca entre quem nomeia e quem indica, reproduzindo ad nauseam a influência do compadrio na formação e operação dos governos. Daí decorre outro entrave de vulto para as alegadas intenções do presidente de valorizar o perfil técnico dos aspirantes a lugares de alta visibilidade na gestão federal. Pois da capacidade de colocar os seus indicados depende parte substancial do patrimônio político, portanto eleitoral, dos dirigentes partidários. Quando a caciquia da base aliada monta os listões dos apadrinhados que quer ver empregados no governo - o rol original do PMDB tinha mais de 200, afinal reduzidos a cerca de 30 -, a última coisa em que pensa é em segregar as atividades técnicas da administração, para reservá-las a técnicos. O preferido de um político tenderá sempre a ser outro político, a começar daqueles que o insucesso nas urnas relegou à condição de ¿ex¿.

Leiam-se alguns dos nomes mais salientes do listão do PMDB, divulgados ontem pelo Estado, para perceber a naturalidade com que o sócio maior da coalizão lulista desdenha do critério da afinidade profissional entre função e candidato a funcionário: o ex-deputado fluminense Moreira Franco para chefiar a BR Distribuidora ou, tanto faz, a diretoria de Exploração da Petrobrás; o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde para comandar Furnas; o ex-senador goiano Maguito Vilela para a diretoria de Agronegócios do Banco do Brasil; o ex-senador brasiliense Luiz Otávio (barrado para o TCU) para a Eletronorte; o ex-senador Amir Lando para uma diretoria, qualquer uma, da Caixa Econômica; o ex-senador Sérgio Machado para a Transpetro, onde já está - etc., etc. e tal. O caso do ex-senador, por sinal, contém um ingrediente revelador do nível de rés-do-chão a que pode chegar esse processo. Se dependesse do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, Machado perderia o lugar por ter trabalhado pela eleição de Aldo Rebelo. Mas, como Lula precisa dos bons ofícios do presidente do Senado, Renan Calheiros, padrinho de Machado, ele fica.

O ministro Mares Guia assegura que o presidente fará uma ¿análise descompromissada¿, caso a caso. É bom que o faça, especialmente no setor elétrico, onde a incompetência que almeja ser premiada, em parceria com a escassez de novos investimentos externos e a debilitação das finanças das estatais, poderá produzir outro apagão. E os investimentos não vêm porque os investidores, segundo o bem informado The Wall Street Journal, perderam as esperanças de que Lula faça as reformas tributária, trabalhista e previdenciária que efetivamente destravariam o crescimento do País. Mas desde quando isso tira o sono dos políticos? E, se a eles pouco importa a qualidade do governo, é improvável que o presidente desate o nó que persiste desde o primeiro mandato. Até porque o presidente Lula vive dizendo que não tem pressa. Embalado pelo apoio da população, que parece satisfeita com o ritmo lento de crescimento da economia, não se dispõe a cobrar maior eficiência da equipe de governo. Nem se abala em patrocinar as indispensáveis reformas estruturais.