Título: A bossa da conquista
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2007, Nacional, p. A6
A defesa da proposta pelo fim da reeleição de presidentes, governadores e prefeitos é vista no governo federal como uma excelente oportunidade para vencer resistências da oposição e, finalmente, abrir o tão almejado espaço de ¿diálogo¿ público com o PSDB.
A fim de aproveitar a ¿feliz coincidência¿ - para usar a expressão de petista muito bem posto no primeiro escalão da República - de ¿razões doutrinárias e interesses imediatos¿ existentes (sempre na concepção do estrelado petista) nos dois partidos, o governo resolveu pegar uma carona no debate aberto pelos tucanos e encampar a tese com a autoridade de quem foi contra a reeleição à época de sua aprovação.
Na próxima segunda-feira, o ministro da Justiça, Tarso Genro, apresenta a sugestão ao conselho político formado por 11 partidos aliados e, se houver concordância da maioria, o tema vai virar bandeira de luta da coalizão governista.
Para dourar um pouco a pílula e disfarçar o indisfarçável - que se trata de assunto de interesse do presidente Luiz Inácio da Silva - a agenda da reunião será a discussão da reforma política, com a inclusão de itens já em tramitação no Congresso: a fidelidade partidária, o financiamento público de campanhas e a instituição de listas partidárias nas eleições parlamentares.
Para todos os efeitos externos, foram os tucanos que levantaram a lebre do fim da reeleição. Havendo críticas, o PSDB entra com o desgaste e o PT, com a boa intenção de ¿construir o consenso¿.
O mesmo critério se aplica às tais ¿razões doutrinárias¿ e aos ¿interesses imediatos¿ acima citados como mote para a conjugação de propósitos.
O PT entra com a ¿doutrina¿ pelo fato de não ter sido favorável à reeleição e o PSDB fica com a parte do interesse pragmático. Qual seja, o acerto interno entre os dois candidatos do partido à Presidência da República, os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG).
Sobre os ¿interesses imediatos¿ do PT no caso, reconhece-se que existem, mas não se declinam quais seriam eles, pois implicaria a quebra do sigilo de planos futuros.
A chance da ¿feliz coincidência¿ também seria aproveitada para isolar o tradicional companheiro dos tucanos, o Democratas, que já avisou: é contra a reeleição, mas não aceita defender a proposta agora, pois enxerga nela exatamente o que é e não vê vantagem objetiva em participar como coadjuvante útil nesse jogo.
Caso o PSDB aceite entrar na parceria, Lula poderá obter finalmente a sonhada fotografia da oposição subindo a rampa do Palácio do Planalto, posando ao centro como fiador da união nacional.
Haveria, embutidas na articulação, intenções eleitorais?
A resposta não é uma negativa peremptória. Só um enigmático, talvez esperançoso e muito provavelmente estratégico ¿é cedo para pensar nisso¿.
Cai o pano
A abertura da ação penal no Supremo Tribunal Federal contra o deputado José Genoino e mais dez acusados na denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, por envolvimento no escândalo do mensalão, liquida os argumentos dos que defendem a tese da absolvição pelas urnas.
Genoino foi eleito, assim como os deputados Paulo Rocha, Valdemar Costa Neto e João Magalhães. Na legislatura passada, os três renunciaram para evitar as punições e agora são alvos de um pedido do PSOL para a reabertura dos processos por quebra de decoro.
O relator do caso no Conselho de Ética da Câmara, Dagoberto Nogueira, deu parecer contrário aos processos, atendendo à solicitação do PT, PMDB, PP e PR, sob a alegação de que a anistia respeita a vontade popular.
Se mantiver a tendência de aprovar o arquivamento, a Câmara estará contrariando o entendimento do Supremo. Tem essa prerrogativa, pois seu julgamento é político. Mas estará admitindo que seu apego à letra da lei é inversamente proporcional ao seu aconchego corporativista.
Uso e abuso
A Polícia Federal resolveu finalmente explicitar o ¿xis¿ da questão de seu desconforto com o governo no descumprimento do acordo salarial assinado ano passado pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e agora solenemente ignorado.
Está tudo dito neste trecho da nota do Sindicato Nacional dos Delegados da PF: ¿Ao contrário do que possa parecer à sociedade brasileira, tão acostumada com o êxito das operações deflagradas cotidianamente pela Polícia Federal, vivemos um triste momento¿.
Os policiais se sentem usados politicamente. Consideram-se de alguma forma credores da reeleição do presidente Lula por terem emprestado verniz ao discurso de combate à corrupção que serviu de antídoto aos escândalos do primeiro período, e não se conformam de serem deixados a ver navios na hora da recompensa.
Embora faça sentido, a alegação subtrai consistência do festejado ¿caráter republicano¿ das ações da PF.