Título: Com Lula, papa poderá pedir comércio livre
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2007, Vida&, p. A19

O Itamaraty trabalha para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o papa Bento XVI dêem uma mensagem a favor da conclusão das negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) como parte de um plano para reduzir a pobreza no mundo. Em entrevista ao Estado, a embaixadora do Brasil junto à Santa Sé, Vera Machado, afirmou que o tema, inclusive uma crítica aos subsídios dados pelos americanos e europeus, poderá ser tratado no encontro entre os dois, marcado para ocorrer durante a visita do papa ao País entre os dias 9 e 13 de maio.

Segundo ela, o papa já falou em uma reunião fechada com embaixadores junto ao Vaticano sobre a questão da OMC, sobre a necessidade de concluir a Rodada Doha e como ele acredita que a redução de distorções no comércio agrícola pode facilitar a vida de vários países pobres. ¿A questão da pobreza e da luta para erradicá-la é uma preocupação permanente para o papa, assim como os direitos humanos¿, afirmou. ¿Ele está muito atento a essas questões comerciais, que são centrais também para o Brasil.¿

A Rodada Doha foi lançada em 2001 e tem como um dos objetivos corrigir as distorções no mercado internacional para permitir que os países pobres possam também ganhar com o comércio. Estimativas do Banco Mundial apontam que a conclusão da rodada e o fim dos subsídios seriam dois dos fatores que mais contribuiriam para combater a pobreza.

Mas tanto os americanos como os europeus resistem a fazer as reformas necessárias e, há um ano, o processo caminha lentamente. Brasil, Estados Unidos, países da Europa e Índia querem concluir a rodada até o final do ano, mas, para isso, precisam garantir uma flexibilização dos países ricos.

Segundo Vera Machado, o papa tem se mostrado interessado também na política latino-americana. Em uma recente reunião com os embaixadores, Bento XVI afirmou estar preocupado com o conflito na Colômbia e o número de refugiados que está gerando, inclusive para o Brasil.

Outra preocupação política do papa na região é a transição em Cuba com uma eventual morte de Fidel Castro. Bento XVI teria dito aos representantes de governo que espera que haja um processo tranqüilo e de diálogo com a Igreja.

O terceiro ponto político relacionado à região citado pelo papa é o Haiti e a necessidade de garantir a estabilidade e lutar contra pobreza no país onde o Brasil comanda as forças internacionais.

ABORTO

A embaixadora afirma desconhecer qualquer iniciativa do Vaticano de tratar diretamente da questão do aborto com o presidente Lula diante do debate que cresce dentro do governo. Mas admite que ¿não haverá temas proibidos¿ na viagem.

Para a experiente diplomata, um tema que deverá ser levado pela Igreja ao Brasil é o do reforço dos valores da família e da preservação da vida. Nessas mensagens, portanto, insinuações sobre o aborto poderão ser interpretadas.

O papa, apesar de tratar de temas políticos, virá ao Brasil com uma meta pastoral bem clara. ¿Não será uma viagem de Estado¿, afirmou Vera Machado. Para a embaixadora, a escolha do Brasil revela que o Vaticano vê de fato o País como uma prioridade no esforço da Igreja pela evangelização. ¿O Vaticano quer que essa viagem tenha repercussão em toda a região¿, disse. Segundo ela, o resultado da 5ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe no Brasil será ¿vitrine¿ para os demais países.

CONCORRÊNCIA PREOCUPANTE

Nos corredores do Vaticano, poucos escondem a preocupação da Igreja Católica com a proliferação de Igrejas evangélicas no País. Segundo a embaixadora, portanto, a visita faz parte de um reforço dos trabalhos da Igreja pela evangelização na região. ¿A Igreja quer estar presente nos bolsões de pobreza, nas periferias, inclusive para evitar que busquem alternativas espirituais¿, disse.

No Vaticano, a percepção é de que o número de viagens que Bento XVI fará pelo mundo não será o mesmo que João Paulo II realizou durante seu papado. Por isso, cada uma delas promete ser uma revelação do que pensa o atual papa e como quer difundir suas mensagens.

Não por acaso, os principais vaticanistas da Europa e Estados Unidos estarão seguindo o papa pelo Brasil. No avião, serão 70 jornalistas e vaticanistas acompanhando o pontífice. ¿Não há duvida de que o Vaticano quer que a viagem tenha uma repercussão no reforço do catolicismo na América Latina¿, completou a embaixadora.