Título: 'Debate vai além de 0,25 ou 0,50'
Autor: Pereira, Renée e Freire, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2007, Economia, p. B4

O professor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Márcio Holland escreveu recentemente um estudo, ao lado dos colegas Edmar Bacha e Fernando Gonçalves, que teve grande repercussão no mercado. Segundo o trabalho, a taxa Selic poderia estar 2,25 pontos porcentuais mais baixa. Por isso, diz ele, o debate acerca da política monetária no Brasil deve ser mais profundo, indo além da simples discussão sobre um corte de 0,25 ou 0,50 ponto porcentual da Selic. 'Há um problema no modelo usado pelo BC e pelo mercado para projetar a inflação.' Ele conversou com o Estado, ontem, por telefone.

A reunião do Copom está perdendo a graça? Se você fizer um balanço das reuniões do Copom nos últimos dois anos, a impressão que se tem é que o Banco Central está se tornando refém das expectativas do mercado. E as expectativas do mercado se tornaram reféns de uma falta de modelo estrutural para avaliar a inflação, o hiato do produto, enfim, o que os economistas chamam de curva de Phillips. Traduzindo: todo início de ano, a expectativa do mercado para a inflação daquele ano é igual à meta. A partir daí, o mercado começa a corrigir suas expectativas, convergindo para valores abaixo do previsto antes. Então há um problema nesse modelo do BC e do mercado. Essa combinação não está adequada.

De onde vem esse problema? O BC não tem clareza muito grande dos parâmetros que leva em conta para fixar os juros. Trabalhos recentes mostram que há um efeito de fatores globais sobre inflações domésticas que os modelos centrados apenas no país não explicam. Traduzindo: a inflação no mundo tem caído fortemente mais por efeitos da globalização do que pela atuação dos bancos centrais.

O sr. descreve o impacto da valorização das taxas de câmbio na inflação. Mas há outro impacto que vem da economia real, da China como manufatura do mundo. Exatamente. Além disso, há o efeito da forte alta dos preços das commodities sobre os emergentes. Isso tudo não está sendo considerado no modelo do BC. Não está no modelo do BC esse tipo de choque favorável à economia brasileira nem o câmbio valorizado que ajuda a inflação a cair. Também não está o fato de que isso parece ter um forte viés estrutural global.

Nesse contexto, um corte de 0,25 ponto ou de 0,50 ponto da Selic não muda muita coisa. Eu tenho essa avaliação. Não só eu, mas outros economistas, inclusive alguns que já trabalharam no Banco Central. A partir de 2005, 2006, o BC poderia estar flexibilizando mais. Prova disso é que a meta do ano passado era de 4,5% e inflação foi de 3,14%.

Supondo que o BC escute o sr., como deve reduzir a Selic? Por meio de gradualismo. Política monetária é um pouco arte e um pouco ciência. A ciência é perigosa nessa hora. Nem eu nem os co-autores do estudo propomos um choque de juros no Brasil. Apenas salientamos que está fora do lugar.