Título: 'Nações que mudam regras toda hora vivem em crise'
Autor: Hahn, Sandra
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2007, Nacional, p. A7

Discutir agora o fim da reeleição é uma péssima idéia. É a vitória do casuísmo, dos acertos entre interesses políticos do momento. O que o País precisa é de um Estado sólido, que só será alcançado com instituições permanentes e impessoais - e isso leva tempo para amadurecer e assentar. A avaliação é do cientista político Charles Pessanha, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 'Nações que mudam as regras a toda hora não criam instituições e vivem mergulhadas em crises', diz ele. Leia entrevista a seguir:

Acabar com a reeleição presidencial é uma boa idéia?

É uma péssima idéia. Casuística, prejudicial, fora de hora.

Por quê?

Porque um dos princípios fundamentais de um Estado é o desenvolvimento de instituições permanentes e impessoais, e isso leva tempo. Essas instituições são a base sobre a qual tudo o mais se assenta. Elas precisam ser testadas em situações diversas. Por isso há povos que têm Estados e outros que não. Os Estados Unidos fizeram uma Constituição em 1788 e a mudaram pouquíssimo desde então. França e Inglaterra formaram seus Estados de maneira sólida, na Idade Moderna, porque souberam respeitar as leis que criaram. Nações que mudam as regras a toda hora vivem mergulhadas em crises políticas.

Por que o Brasil muda tanto essas regras?

É uma característica histórica. Vamos fazer uma conta só de 1946 para cá, depois da queda da ditadura Vargas. A Constituição de 46 estabeleceu cinco anos de mandato. Isso valeu até o governo Geisel, já no regime militar. Aí Geisel deu seis anos ao sucessor, João Figueiredo. Foi terrível. Figueiredo vivia entediado com o poder. Dizia sempre que ia 'chamar o (general) Pires', ou seja, recorrer aos militares, para resolver qualquer coisa. Em seguida, a Constituição de 1988 estabeleceu quatro anos sem reeleição. O presidente José Sarney queria aumentar para seis e ficamos com cinco.

E isso durou só alguns anos.

Sim, pois no final de maio de 1994, temendo-se que Lula ganhasse a presidência, o Congresso aprovou quatro anos sem reeleição. Mas como Fernando Henrique Cardoso virou o jogo e venceu, os mesmos líderes que haviam aprovado os quatro anos sem reeleição passaram a pedir reeleição em 1997. E criaram uma conturbação geral, estendendo a medida a governos estaduais e prefeituras.

E agora o ministro Tarso Genro quer mudar de novo...

É lamentável que a Constituição de 88 esteja sendo tratada dessa maneira e é uma pena que um ministro da Justiça esteja metido nisso. Ele deveria zelar pela seriedade das regras. Seria preciso esperar que as regras em vigor decantassem, mostrassem suas virtudes e limitações. Mas o que vemos de novo são acertos entre grupos políticos movidos por interesses do momento.

Qual o problema com o mandato de cinco anos?

À parte essa constante alteração das regras, vamos criar de novo as eleições solteiras, nas quais a escolha de presidentes ou governadores e prefeitos ocorrem em anos diferentes. Já se comprovou que isso abre caminho para aventureiros, para incertezas políticas. A eleição solteira abre espaço para o personalismo. Em 1989, ela nos deu Fernando Collor. As eleições casadas priorizam programas, estimulam acordos entre grandes forças políticas. Nelas, as instituições ficam acima dos atores políticos.

Quem é: Charles Pessanha

É professor de Ciência Política na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fez doutorado na USP e pós-doutorado na University of London

É editor da revista Dados, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio (Iuperj).