Título: Trava do crédito
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2007, Economia, p. B2

Dia de Copom é sempre boa ocasião para falar de juros. E - por que não? - de depósito compulsório.

Apesar dos argumentos que pesam a favor de um afrouxamento monetário maior, ninguém espera que o Banco Central corte hoje os juros básicos (Selic) em mais de 0,25 ponto porcentual, para 12,5% ao ano. Ainda assim, se esse número for confirmado, será a Selic mais baixa da história do sistema de metas no Brasil, adotado em 1999.

A aposta na continuidade da parcimônia - o eufemismo inventado pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para disfarçar a mão pesada - tem uma razão: evitar surpresas.

É que o Banco Central faz questão de entregar o que promete, mesmo que possa entregar mais, como agora. Seu ponto de partida é o de que a execução do sistema de metas é tanto mais eficaz quanto melhor o Banco Central administrar as expectativas. Se o fazedor de preços acredita no Banco Central, conterá suas remarcações às projeções oficiais e, assim, a meta de inflação será mais facilmente atingida.

Assim, a previsibilidade é essencial à condução da política monetária. E, se o previsível é um corte de 0,25 ponto porcentual, que é o que se deduz do que as autoridades da área têm dito, não vai ser o Banco Central que vai quebrar a escrita. Qualquer surpresa nesse jogo delicado pode se transformar em desnorteio e, portanto, em atropelo da política de condução das expectativas.

Mas o Banco Central poderia fazer algo melhor do que ¿forçar¿ uma baixa maior da Selic. Poderia, por exemplo, reduzir de 45% para 40% o depósito compulsório dos bancos, o que teria impacto sobre a expansão do crédito.

Pelas regras atuais, os bancos só podem trabalhar com R$ 55 em cada R$ 100 depositados. Os outros R$ 45 têm de ser recolhidos em dinheiro ao Banco Central. É o que se chama de depósito compulsório. Não houvesse essa trava técnica, o sistema bancário implodiria. Se os bancos reemprestassem todo o dinheiro que recebessem dos correntistas, esses empréstimos se tornariam novos depósitos (em outras contas correntes ou na mesma), que se transformariam em novos empréstimos e, assim, a moeda se tornaria uma bola-de-neve.

Por aí se vê que existe uma diferença básica entre a Selic e o depósito compulsório. A Selic age sobre a remuneração das aplicações financeiras. O depósito compulsório, sobre o crédito. Se os bancos pudessem reemprestar mais do que podem hoje, um dos maiores custos do crédito cairia. Além disso, com mais recursos disponíveis, a concorrência entre os bancos aumentaria e o maior beneficiário seria o tomador de empréstimo.

Para o Banco Central, a vantagem em reduzir o compulsório seria a de melhorar as condições do crédito, que é a ponta dos juros que realmente conta no setor produtivo, sem ter de introduzir o fator-surpresa no trajeto da Selic.

O depósito compulsório de 45% foi fixado em agosto de 2003, quando a crise do ano anterior ainda não havia se dissipado e era necessário mais segurança no sistema. Os tempos são hoje menos perigosos. Mais cedo ou mais tarde, o Banco Central terá de afrouxar também essa trava.