Título: Para Nilcéa, prioridade a plebiscito é inadequada
Autor: Formenti, Lígia
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/04/2007, Vida&, p. A38

A ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, considera inadequada a estratégia de defender, como prioridade, a realização de um plebiscito sobre a descriminação do aborto no País. ¿Não parece apropriado discutir, a priori, o plebiscito. Se no desenrolar do debate a consulta popular for considerada importante, aí não há motivo para que ela não seja realizada¿, observa. A ministra garante que sua posição não se contrapõe àquela apresentada pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Logo depois de tomar posse, o ministro trouxe novamente o tema do aborto à agenda e cogitou a possibilidade de realização de uma consulta popular. ¿Estamos perfeitamente afinados. Ele não defende o plebiscito, mas o retorno do debate¿, completou.

¿A posição formal é da secretaria. Ela está expressa no projeto encaminhado ao Congresso e foi encampada pelo Ministério da Saúde¿, observa. A ministra considera fundamental resgatar tal projeto, apresentado em outubro de 2005 aos deputados. Pela proposta, o aborto pode ser feito até a 12ª semana de gestação, tanto na rede pública como na rede conveniada de planos de saúde. Quando a gestação é fruto de violência, o prazo permitido para interrupção é maior: 20 semanas de gestação. Continuaria sendo crime apenas a realização de aborto sem o consentimento da gestante.

A legislação atual considera aborto crime, com exceção de casos de risco de morte para a mulher ou gestação resultante de estupro. Fruto de trabalho de uma comissão organizada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres com representantes do Legislativo, Executivo e sociedade civil, o projeto foi apresentado em setembro de 2005. Duas audiências públicas foram feitas. O projeto, porém, foi esquecido.

¿A retomada do debate é essencial. Anualmente, o SUS registra 220 mil internações por complicações de aborto - não sabemos quantos deles são irregulares¿, reafirmou anteontem Temporão, ao receber um manifesto de apoio de feministas. ¿Não se pode cobrir com o véu esta chaga que afeta a sociedade¿, afirmou.

Ele observa que muitas das mulheres acabam tendo sérias complicações por fazer abortos clandestinos. Pelas estimativas brasileiras, usadas por feministas, cerca de 5 mil mulheres morrem anualmente por complicações do aborto. ¿São todas mortes evitáveis¿, observa Télia Negrão, secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde.

Para Temporão, o Congresso tem dois caminhos: avaliar a possibilidade de um plebiscito ou discutir o projeto sobre o assunto. Feministas apresentam posição semelhante à da ministra: o plebiscito seria uma alternativa, um desdobramento das discussões, mas não o ponto central. Para elas, é essencial que o assunto , por enquanto, seja tratado em banho-maria. A estratégia é evitar qualquer confronto com a Igreja, justamente agora, no período que antecede a visita do papa Bento XVI. Passada a visita - e o risco de comoção - o assunto seria retomado com força total.

PRÓXIMO PASSO

No Congresso, o projeto da comissão será retomado se algum deputado se encarregar de levá-lo a diante. A deputada Cida Diogo (PT-RJ) era cotada como possível candidata para desempenhar essa tarefa. Ela, no entanto, deve pedir a relatoria de outro projeto de descriminação do aborto, do deputado José Genoino (PT-SP). ¿Quanto mais propostas melhor¿, afirmou.

O governo, porém, mandou ao Congresso um recado para acalmar a Igreja Católica e aliados das bancadas evangélicas: o de que não vai interferir no encaminhamento das propostas que tratam do assunto. De acordo com os líderes recebidos ontem por Lula no Palácio do Planalto, o presidente foi enfático ao assegurar que a decisão de abortar é pessoal, depende da consciência de cada um, não cabendo, portanto, ao governo opinar na questão. 'O presidente entende que não se trata de assunto de governo', disse o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). São oito projetos sobre aborto que tramitam no Senado. A maioria trata da autorização para interrupção da gravidez em caso de feto anencéfalo.