Título: Como enfraquecer uma agência reguladora
Autor: Sales, Claudio J. D.
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/04/2007, Economia, p. B2

Agências reguladoras são órgãos de Estado e foram criadas para equilibrar os interesses de governos, investidores e consumidores. Espera-se que um agente de Estado, ao contrário de um agente de governo, se paute por políticas e ações de longo prazo, resistindo às pressões oportunistas e de curto prazo.

Segundo recente estudo desenvolvido pela Universidade de São Paulo (vide site Acende Brasil, seção ¿Estudos¿), a existência de agências reguladoras sinaliza estabilidade de regras e respeito a contratos, que seriam reconhecidos independentemente do governo ou do partido que detém o poder naquele momento.

Entretanto, o ambiente no qual se inserem os reguladores brasileiros tem apresentado sérias distorções em sua autonomia administrativa e independência decisória. Uma compilação do cenário institucional dos últimos anos permite organizar, com base em fatos documentais, o seguinte roteiro para enfraquecer um órgão regulador:

1) Oriente os ministros responsáveis por setores regulados a estimular debates com viés populista com chavões do tipo ¿as tarifas foram terceirizadas¿. Ignore a complexidade técnica envolvida no cálculo de preços de contratos de concessão que duram mais de 20 anos e a necessidade de remunerar investimentos já executados e que, por força de lei, precisam continuar a ser feitos para que o nível de serviço, estabelecido nos mesmos contratos, seja mantido.

2 ) Procure aprovar um projeto de lei que prevê um ¿Contrato de Gestão¿ que estabelece metas de difícil mensuração e que vincula o orçamento liberado às agências ao cumprimento das metas. Coloque nas mãos do governo (uma das partes cujos interesses são regulados pelas agências) o poder duplo de definir quais metas devem ser cumpridas e como julgar o cumprimento delas.

3) Crie a figura de um ¿ouvidor¿, nome que esconde o poder de intervenção que tal figura, indicada pelo Poder Executivo, terá sobre a agência. Dê a este ouvidor (que teria acesso a quaisquer informações da agência reguladora) o status de diretor, mas elimine a sabatina dele pelo Senado, requisito exigido para os demais diretores das agências.

4) Retenha, por uma decisão discricionária do Poder Executivo, mais de 60% dos recursos destinados às agências, colocando-as sobre pressão orçamentária e inviabilizando suas ações de fiscalização e regulação.

5) Indique padrinhos políticos para os cargos de diretoria, desprezando o preparo técnico e senioridade decisória necessários para o exercício de posições que afetam interesses de milhões de cidadãos.

6) Fixe salários baixos para os reguladores e estimule a descontinuidade intelectual das agências.

7) Adie ao máximo a indicação de membros da diretoria e mantenha-a esvaziada.

8) Crie constrangimento para o regulador, com debates sobre decisões (técnicas) tomadas pelas agências que prejudicam os objetivos (político-eleitorais) de seu governo.

9 ) Se depois dos oito atos acima as agências reguladoras ainda sobreviverem, curto-circuite o Congresso Nacional e crie um decreto com o nome pomposo de ¿Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação¿. Apelide-o de ¿Pro-Reg¿ e abra espaço para a criação de mecanismos de pressão originados do Poder Executivo. Abuse de expressões como ¿controle social¿ e de frases vagas como ¿melhoria da coordenação e do alinhamento estratégico entre políticas setoriais e processo regulatório¿.

Regulação é coisa séria. Não pode ser alvo de interesses político-eleitorais nem de capturas ideológicas. Está em jogo a sustentabilidade de setores da infra-estrutura que afetam a vida de toda a população brasileira usuária dos serviços regulados.

É importante que o Congresso Nacional e as agências reguladoras se mobilizem para a mais recente ameaça à autonomia dos reguladores gerada pelo Poder Executivo via Decreto nº 6.062, de 16/3/2007. Se o Poder Executivo realmente quer fortalecer as agências, não há razão para um decreto. Se os objetivos do governo federal são tão nobres, por que não implementar esta louvável iniciativa comunicando de forma transparente suas intenções ao Congresso, para que o mesmo prepare o instrumento mais moderno das democracias: um projeto de lei?