Título: Asilo irregular coloca idoso em risco
Autor: Capitelli, Marici
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2007, Vida&, p. A24

Somente na semana passada, dois asilos foram fechados na capital por falta de higiene: foram encontrados alimentos estragados, muita sujeira e idosos em situação de risco. Um funcionava na Vila Jacuí, na zona leste, e outro no Butantã, zona oeste, onde um falso médico atendia os pacientes.

Em 2007, já foram fechadas nove dessas casas. Nos últimos dois anos, houve 36 interdições. Os estabelecimentos também são campeões de reclamações na Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa), com cerca de 15 a 20 denúncias por mês. Só na cidade de São Paulo, há 1,2 milhão de idosos.

O problema é grave. Ninguém sabe ao certo quantas entidades na cidade abrigam velhinhos. A grande maioria atua de maneira clandestina, sem atender a requisitos básicos como higiene, alimentação e segurança. A única certeza é que apenas 61 estabelecimentos estão regularizados e com licença de funcionamento na Covisa, da Secretaria Municipal de Saúde.

¿Com o envelhecimento da população, esse é um segmento que tem se mostrado muito lucrativo e tende a aumentar. Por isso, queremos que trabalhem dentro da regularidade¿, afirmou Inês Suarez Romano, gerente de Produtos e Serviços da Covisa.

Segundo ela, a situação das instituições de longa permanência (termo que substituiu ¿asilos¿) e casas de repouso aparece como principal preocupação do órgão atualmente. Cada uma das denúncias é checada pelos técnicos. ¿Muitas vezes, a reclamação específica não procede, mas encontramos outras irregularidades até piores.¿

Há poucos dias, os técnicos vistoriaram uma casa com 23 pessoas no Butantã, cada uma pagando uma mensalidade de R$ 1,6 mil. O responsável era um falso médico estrangeiro, que prescrevia remédios e tratamentos. O local foi interditado na quinta-feira.

Inês deixa claro que o objetivo da Covisa não é fechar as entidades. Esse, aliás, é o último recurso, quando se esgotam todas as negociações, ou em caso de risco imediato. ¿O fechamento é sempre um trauma para os idosos e é difícil conseguir lugar para transferi-los.¿

DESPREZO DA FAMÍLIA

Os profissionais da Covisa procuram em primeiro lugar as famílias. Só que não é raro se depararem com desprezo. ¿Ouvimos coisas do tipo: hoje estou ocupado e não posso buscar.¿ ¿Ficar em casa é melhor, mas os filhos não podem cuidar da gente porque damos trabalho¿, disse uma mulher de 86 anos que está num asilo na zona norte.

Outras respostas de parentes são ainda mais estarrecedoras. ¿Quando avisamos que o idoso estava sofrendo maus-tratos na instituição, alguns filhos respondem com naturalidade que o pai ou a mãe já tinham se queixado de apanhar.¿

Comportamentos como esses remetem a um outro problema que acaba dificultando o trabalho da Covisa: a pouca participação das famílias nas entidades. ¿Elas fecham os olhos e tapam os ouvidos para as irregularidades porque não sabem o que fazer com o idoso¿, diz Inês. Dessa maneira, acabam não denunciando. Muitas das reclamações que chegam à Covisa são de vizinhos que presenciam ou percebem maus-tratos.

Se a família não busca o parente do asilo fechado, os técnicos procuram vagas em outras instituições. ¿Houve uma semana que fechamos três entidades. Foi muito ruim.¿

Na década de 1990, quando começaram as vistorias nos abrigos e a vigilância ainda pertencia ao Estado, chegou-se a elaborar uma relação com 300 casas para idosos funcionando em São Paulo. Dessa lista, muitas fecharam, mudaram de nome ou endereço, inclusive para a mesma rua, mas em outro imóvel. Muitas outras apareceram.

¿O que percebemos é que, por causa da fiscalização, muitas entidades estão indo cada vez mais para a periferia ou para as cidades vizinhas da capital¿, revela Inês. A experiência tem mostrado que as instituições privadas são mais problemáticas que as filantrópicas, já que economizam no atendimento para aumentar lucros. Os itens que mais cortam são mão-de-obra e alimentação.

IRREGULARIDADES

Do lado de fora, jardins enfeitados. Dentro, os técnicos da Covisa encontraram irregularidades na Casa de Repouso Nova Esperança, no Imirim, zona norte de São Paulo. Os 32 internos pagam entre R$ 900 e R$ 1,6 mil. Depois de percorrer a casa por duas horas e observar detalhes relativos a higiene, alimentação e segurança, os profissionais classificaram as condições como ¿ruins¿. ¿No meu entender, isso é um depósito. Os idosos não estão sendo assistidos como deveriam¿, afirmou o técnico Orlando Araújo.

A falta de mão-de-obra era evidente. Só dois auxiliares se revezavam para cuidar dos pacientes, ou seja, 1 para cada 16. Deveria haver, no mínimo, 1 para cada 8. Apenas um funcionário idoso estava responsável pela limpeza da casa, que é imensa. O cheiro de urina era forte em vários ambientes. Todos os quartos estavam superlotados. No pavimento dos homens, a ventilação era precária.

Na cozinha, os profissionais encontraram pisos e azulejos arrancados debaixo da pia e ausência de armários para guardar os pratos. Havia também carne com validade vencida no freezer. ¿Outro absurdo foram cestas básicas armazenadas no banheiro¿, disse a técnica Elizabeth Domingues da Silva.

Outra irregularidade chocante: uma das internas tem 44 anos e sofre de problemas psiquiátricos, o que é ilegal. Ela disse que entre as suas atividades está ¿descascar batatas¿. ¿Imagine uma pessoa com problemas psiquiátricos segurando uma faca.¿ O médico responsável pelo local foi procurado pela reportagem, mas retorno as ligações.