Título: Sem luz e água a 3 horas de São Paulo
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2007, Economia, p. B6

Os moradores da pequena Bela Vista 1, na cidade de Barra do Turvo, no interior de São Paulo, bem que tentaram encontrar algum sinal de que a economia do País está realmente em crescimento - fato desconhecido por esses cidadãos até a chegada da reportagem do Estado no local. Mas, infelizmente, não conseguiram. Nem poderiam.

Nessa comunidade, de cerca de 400 pessoas, luz elétrica e água encanada dentro de casa é considerado luxo; telefone fixo ou celular faz parte dos sonhos da maioria; e esgoto tratado nem passa pela cabeça desses brasileiros. Não bastasse tudo isso, o acesso à escola também é difícil e deixa dezenas de crianças fora das salas de aula. Tudo é complicado em Bela Vista 1, onde a população vive à margem da sociedade.

No bairro, até as personalidades mais famosas do País, como Xuxa, passariam despercebidas. Nem mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escaparia do anonimato, já que muitos moradores só o conhecem por meio dos ¿santinhos¿ distribuídos durante a campanha eleitoral. As notícias do País e do mundo são trazidas por visitantes ou por moradores quando vão à cidade. Os mais afortunados têm rádio à pilha e conseguem acompanhar alguns acontecimentos importantes.

Mas, ao contrário do que possa parecer, esse bairro não fica tão distante assim da capital paulista - considerada uma das mais modernas da América Latina. O bairro de Bela Vista 1 fica a cerca de 280 km de São Paulo, às margens da BR-116 (Régis Bittencourt). Além disso, fica a quase 150 km de Curitiba (PR) - município com uma das melhores qualidades de vida do País.

A falta de infra-estrutura trouxe ainda mais revolta aos moradores quando a escola do bairro foi fechada por falta de água e luz. Para solucionar o problema, a prefeitura deixou à disposição da população uma van para levar as crianças até a escola mais próxima. Mas, para chegar ao colégio, o veículo precisa passar pela BR-116, conhecida como Rodovia da Morte. O que tem provocado a preocupação dos pais, que querem a escola de volta.

A moradora Maria de Lourdes Dias, dona da ¿vendinha¿ do bairro, explica o motivo de tanta exclusão. O bairro está localizado dentro do Parque Estadual de Jacupiranga. Por isso, os ambientalistas temem que a chegada da luz elétrica provoque a expansão de áreas construídas no local. O problema, reclamam os moradores, é que eles não apresentam nenhuma solução. ¿Outras áreas também dentro do parque já têm energia elétrica e nós não¿, afirma Maria de Lourdes.

Ela, o marido, filhos e netos moram no local há sete anos, quando foram transferidos para o bairro por uma igreja evangélica. ¿Estamos tentando trabalhar para melhorar um pouco a vida desse povo¿, afirma ela, que morava em Curitiba. ¿Como já tive acesso a serviços públicos, sinto uma falta muito grande de energia e também de estrada de qualidade.¿

As estradas não são dignas de elogios, define o professor José Antonio Paulino de Oliveira, mais conhecido como Zé da Banda. Ele acorda todos os dias às 5h30 da manhã e segue de moto para Bela Vista 1. De lá, tem de seguir a pé cerca de 6 km até a escola, localizada em Bela Vista 2, já que o caminho é tão ruim que nem a moto consegue percorrê-lo.

No colégio, ele dá aula para apenas seis alunos, sendo cada um de uma série diferente, da 1ª a 4ª série. ¿As crianças gastam uma hora pra chegar à escola. Isso desestimula qualquer um¿, afirma. Além de professor, Oliveira é o cozinheiro da escola. ¿Se não tiver merenda, as crianças não vão à aula.¿

Outro exemplo da falta de acesso do bairro pode ser verificado na história de Gilberto Saturnino. Aos 53 anos, ele quebrou a perna em dois lugares durante o trabalho na lavoura e ficou três dias sem atendimento. Os agentes de saúde só conseguiram tirar Saturnino de sua casa a cavalo. Na quinta-feira, com a perna já engessada, ele aguardava à beira da estrada alguém que viesse buscá-lo para levá-lo até sua casa. ¿Não tenho como ir embora. Na estrada, não passa carro¿, afirma Saturnino, que mora sozinho.

HORA DE DORMIR

Em Bela Vista, quando o relógio dá 8 horas da noite, os moradores já estão se preparando para dormir. ¿Não tem nada para fazer, então vamos dormir¿, afirma Célia Regina de Lima. Ela chegou ao bairro há cerca de 15 anos com os pais e até hoje espera a realização da promessa de que o local seria energizado.

¿A falta de energia dificulta tudo. Compramos comida e temos de fazer tudo no mesmo dia para não perder¿, diz Ivone Aparecida Lima, mãe de Célia. Para tomar banho, diz ela, alguns usam bacias ou chuveiro improvisado, onde põem água quente. Outra dificuldade é a falta de saneamento. Muitos moradores nem sequer têm banheiro em casa. ¿Neste lugar as pessoas tiveram seu direito à cidadania negado¿, resume Vendelino Gurish. A prefeitura não retornou o pedido de entrevista.