Título: A armadilha do BC
Autor: Khair, Amir
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2007, Economia, p. B2

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de redução de 0,25% na Selic já era esperada pelo mercado. A surpresa foi que, dos 7 votos, 3 defenderam uma queda de 0,5%. A partir daí o mercado avalia que nas próximas reuniões a queda seja de 0,5%. Isso parece responder às perspectivas de inflação cada vez mais para baixo do centro da meta de 4,5% para este e para o próximo ano.

A explicação da queda inflacionária reside no nível cambial, que tende a romper a barreira psicológica de R$ 2,00, apesar das compras vultosas de dólares no mercado spot efetuadas pelo Banco Central (BC) e da forte concorrência dos produtos importados. Se o câmbio escorregar para baixo de R$ 2,00 é de se esperar inflação ainda menor.

A enxurrada de dólares está ligada a vários fatores: a) forte liquidez internacional; b) balança comercial superior a US$ 40 bilhões, prevista para este ano; c) investimento direto líquido de estrangeiros (IDLE) que poderá superar US$ 20 bilhões neste ano; d) queda consistente do risco País; e) ganhos de arbitragem propiciada pela Selic em face das aplicações em juros em outros países; f) nível confortável e crescente das reservas internacionais; e g) ampliação de financiamentos externos pelas empresas, que neste primeiro trimestre atingiram US$ 11 bilhões, recorde para o período. O Banco Central não tem bala para enfrentar essa avalanche de dólares e o regime de câmbio flutuante já era.

Muitos apontam os ganhos de arbitragem como o principal causador da apreciação cambial, mas os demais fatores pesam muito mais. Assim, mesmo que a Selic assumisse um nível compatível com a realidade internacional, ou até mesmo abaixo, continuaria a apreciação cambial, pois só as transações correntes e IDLE vêm injetando cerca de US$ 30 bilhões por ano desde 2004 e não dependem da Selic.

E mais: a cada queda da Selic, maior pressão de entrada de dólares poderá ocorrer, pois sinaliza ao mercado maior solidez nos fundamentos macroeconômicos e atratividade crescente por aplicações de estrangeiros nos títulos do governo, na Bolsa de Valores e no mercado imobiliário.

A queda da Selic não impediu a apreciação do real nem causou inflação. De setembro de 2005 a março de 2007, a Selic caiu 7 pontos porcentuais (19,75% - 12,75%), a inflação projetada caiu 1 ponto porcentual (4,74% - 3,74%) e o real se apreciou R$ 0,35 em valores de março (2,44 - 2,09). Assim, nesses 18 meses a flexibilização da política monetária atuou de forma inversa ao que prevê sua ortodoxia.

Tudo indica que, se não ocorrer séria crise no mercado internacional, o real continuará sua marcha de valorização, gerando inflação menor, mesmo com quedas mais acentuadas da Selic.

Assim, a pressão sobre o Banco Central será cada vez maior, pois o seu principal instrumento de controle inflacionário - a Selic elevada - está se mostrando ineficaz e danoso às finanças públicas, pelo forte diferencial entre os juros internos e externos e ao setor produtivo pela perda de espaço para os concorrentes externos.

Tais instrumentos geraram uma armadilha para o próprio Banco Central ao não praticar taxas de juros em linha com o mercado internacional e adotar a teoria do produto potencial (sem sentido em face da forte oferta de produtos importados). Além disso, por aguardar longo período para verificar os efeitos sobre a demanda das quedas da Selic e ignorar que a globalização se encarregou de proteger os países da inflação e que no Brasil as exportações vieram para ficar, garantindo os dólares necessários para uma ampliação substancial das importações.

Em face dessa situação pode haver uma saída natural. Além do alinhamento da Selic às taxas de juros internacionais, a redução dos depósitos compulsórios dos bancos, dos mais altos do mundo. Isso permitiria maior expansão do crédito com juros mais baixos, com crescimento maior para a economia e para as importações - que, maiores, responderiam de forma eficiente ao equilíbrio cambial.

Pode ser que a nova composição do Comitê de Política Monetária resulte em decisões mais realísticas e eficazes para a economia brasileira.

Vamos aguardar.