Título: China, grande tema latino-americano
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2007, Economia, p. B2

Que tal um executivo chinês para atuar como co-presidente de um encontro latino-americano? Isso parece naturalíssimo na reunião do Fórum Econômico Mundial, iniciada ontem na capital chilena. Zhang Shoulian preside a China Minmetals, empresa especializada em metais não-ferrosos, e divide a presidência do evento com o executivo principal da brasileira Braskem, José Grubisich, e o vice-presidente do Banco do Chile, Andrónico Luksic Craig. Para os dois dias do encontro foram programadas 22 sessões sobre assuntos cruciais para a região, como educação, competitividade, energia, integração física e econômica e combate à corrupção. Só 3 sessões serão dedicadas a países individuais. Uma será sobre o Chile, o anfitrião. Outra servirá para uma atualização sobre a economia chinesa e a terceira tratará do longo prazo - relações entre América Latina, China e países da Ásia-Pacífico até 2025. A parceria entre China e América Latina ocupou um quarto do material de informação prévia elaborado pela PricewaterhouseCoopers para os participantes da reunião. Em 2005, o mercado chinês absorveu entre 10% e 11% das exportações de três países sul-americanos, o Chile, o Peru e a Argentina, 8,5% das cubanas e cerca de 6% das brasileiras. Em 1990, só a Argentina, entre os latino-americanos, destinou pouco mais de 4% de suas vendas externas à China. No caso do Brasil, essa parcela mal passava de 1%. No ano passado, o mercado chinês absorveu produtos brasileiros no valor de US$ 8,4 bilhões, 6,1% do total, e ficou na terceira posição entre os mais importantes, só abaixo do americano e do argentino. A China compra dos latino-americanos principalmente matérias-primas, como soja e minérios, e bens intermediários, como aço. A Minmetals tem investimentos no Chile, no Peru e na Argentina e planeja aplicar mais US$ 2 bilhões na região, segundo disse ontem Zhang Shoulian. Para sustentar um crescimento entre 8% e 10% por muitos anos, a economia chinesa tem usado volumes enormes de insumos, ajudando a manter elevados os preços das commodities. Isso facilitou a rápida elevação da receita comercial de alguns países da América Latina. Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Peru têm estado entre os grandes beneficiários. Em contrapartida, a China invade todos os mercados das três Américas com seus produtos baratos, tomando espaço dos produtores de manufaturados. A competição chinesa nos Estados Unidos tem afetado até os mexicanos, apesar das preferências em vigor e os participantes do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta). Para a maior parte dos centro-americanos e caribenhos a conversão da China em potência comercial foi pura perda. Sem matérias-primas para alimentar o crescimento chinês, esses países não se beneficiaram comercialmente como o Brasil, o Chile e a Argentina. Mas sofreram, tanto internamente quanto nos EUA, a concorrência dos manufaturados da China. Segundo os analistas da Price, essa foi uma das motivações principais para o acordo de livre-comércio entre os centro-americanos e os EUA. No caso do Brasil, os efeitos da concorrência chinesa são visíveis em todas as frentes. Há uma invasão - legal e ilegal - de manufaturados chineses tanto no mercado brasileiro quanto na vizinhança. O Brasil mantém o posto de principal fornecedor da Argentina, mas a disputa com a China é cada vez mais dura. Os chineses têm mostrado uma concepção muito clara de seus interesses em relação à América Latina. Dezesseis por cento de seus investimentos diretos externos estavam concentrados na região em 2005, principalmente em transporte, mineração e siderurgia, segundo a PricewaterhouseCoopers. Brasil e Argentina haviam recebido as maiores fatias. A primeira entrevista de ontem na reunião do Fórum Econômico Mundial sobre a América Latina teve tradução simultânea para inglês, espanhol e chinês. Afinal, esta é a língua de um dos co-presidentes do evento, um executivo encarregado de abastecer a nova potência mundial com minério latino-americano. A participação de Zhang Shoulian nesta reunião do Fórum é uma demonstração de como se refaz o mapa-múndi da economia. O presidente Lula alardeou nos últimos quatro anos a ambição de redesenhar esse mapa. Não tem falado muito no assunto ultimamente. Já os governantes chineses nunca fizeram bravatas sobre isso, nos últimos 20 anos. Talvez estivessem pensando mais nos objetivos nacionais do que na cartografia.