Título: A esterilização da CPI
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2007, Notas e Informações, p. A3

A primeira sessão da chamada CPI do Apagão Aéreo, na quinta-feira, confirmou sem margem para dúvida o desinteresse do governo em permitir que a Câmara dos Deputados apure o que precisa ser apurado sobre todos os aspectos da crise que se abateu sobre o sistema de aviação comercial no País já lá se vão 8 meses. Não é preciso nem ressaltar o diminuto porte político da maioria dos integrantes da comissão de investigação. Tanto o seu presidente, o peemedebista piauiense Marcelo Castro, quanto o seu relator, o petista gaúcho Marco Maia, ambos escolhidos a dedo pelos operadores políticos do Planalto, são figuras de escassa expressão no Congresso.

Além disso, dos 24 membros titulares do colegiado (16 governistas e 8 da oposição), 9 são deputados de primeiro mandato. Entre igual número de suplentes, os novatos chegam a 13. Se a base lulista realmente tivesse algo a temer do inquérito e a oposição algo de substancial a esperar dele, os pesos pesados de ambas as partes tratariam de garantir seus lugares na comissão. Como era de se esperar, o presidente da CPI nega que ela seja chapa-branca, estruturada e gerida para servir ao governo, e assegura que se quer efetivamente ir às causas da crise aérea e apontar soluções. Mas a intenção de desfibrá-la é cristalina, não menos do que os meios escolhidos para tal.

O principal deles é interpretar da forma a mais estreita possível o conceito de ¿fato determinado¿ que a legislação exige das investigações do gênero e que o Supremo Tribunal Federal enfatizou ao determinar a instalação da CPI, dando ganho de causa ao recurso da oposição contra o engavetamento do pedido na Câmara. O truque consiste em cingir o âmbito dos trabalhos exclusivamente, ou quase isso, à apuração das causas diretas e imediatas do fato gerador da crise aérea - o choque do Boeing da Gol com o Legacy da ExcelAir, em 29 de setembro do ano passado, no que foi o maior desastre da história da aviação no Brasil, com 154 mortos.

Mas, se é disso que se trata, a CPI está fadada a ser uma tediosa irrelevância. Primeiro, porque esse fato determinado vem sendo, obviamente, objeto de um inquérito da Polícia Federal. O delegado responsável, Renato Sayão, informa que 95% da investigação está concluída e promete a entrega das conclusões até o fim do mês. Uma investigação congressual a respeito só faria sentido se as conclusões se revelassem patentemente insatisfatórias - e nada indica que esse venha a ser o desfecho do trabalho policial. Em segundo lugar, e mais relevante do ponto de vista das condições de funcionamento de um setor da importância do transporte aéreo nacional, já estão mais do que estabelecidos os nexos entre a tragédia e os problemas do sistema de controle do tráfego aéreo no País.

Uma análise desses problemas que se pretenda séria, técnica e, sobretudo, exaustiva não poderá passar ao largo da questão essencial das políticas governamentais para a aviação civil. Estas, ao que tudo indica - e isso é o que justifica uma CPI sobre o assunto -, descuidaram da segurança e da qualidade do transporte aéreo, sem atacar as deficiências do sistema de controle de vôo, nem tampouco orientar na direção certa a gestão dos aeroportos, indissociável dessa segurança e qualidade. A Infraero fez o contrário do que devia: deu preferência à lucrativa administração das estações de passageiros, transformadas em shopping centers com fartos espaços concedidos à publicidade, em vez de cuidar prioritariamente das pistas e dos demais equipamentos de uso aeronáutico.

O estado dos aeroportos brasileiros decerto não provocou a catástrofe de 29 de setembro. Mas as causas profundas do acidente não podem ser explicadas plenamente sem que se inclua na equação a parte que diz respeito ao desempenho da Infraero. Esse aspecto do problema não poderia ser ignorado ainda que a empresa responsável pela rede aeroportuária fosse a mais virtuosa das estatais brasileiras e não o foco de corrupção desnudado por sucessivas averiguações do Tribunal de Contas da União. Ao contrário do que dizem os interessados em esterilizar a CPI, existem - e são perfeitamente passíveis de investigação - nexos entre as malfeitorias na Infraero e a situação de descalabro da aviação no Brasil.