Título: Estados devem ser parte do alívio fiscal?
Autor: Velloso, Raul
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2007, Economia, p. B2

Sob o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo anunciou gastos adicionais com investimentos públicos federais da ordem de 0,5% do PIB (algo próximo de R$ 12 bilhões), basicamente em infra-estrutura, implicando possibilidade de queda inédita nos superávits sem juros que vinham sendo gerados nos últimos anos. Isso seria feito 'sem comprometer a estabilidade fiscal'. O plano projeta ainda redução gradual da razão dívida/PIB até 2010, em que pese a queda do superávit, o que se viabilizaria graças à queda da taxa de juros ali implícita e à aceleração das taxas de crescimento do PIB que se pretende obter com sua implementação.

A tese central que tenho defendido é de que os superávits tenderiam a cair, de qualquer forma, pois seria difícil continuar aumentando a carga tributária e contendo fortemente os investimentos públicos, enquanto se observava passivamente o crescimento acentuado dos gastos correntes. A não ser, é claro, que se aprovassem reformas capazes de conter o crescimento (ou até de lograr redução) dos gastos correntes.

O fato é que, ao mesmo tempo que o governo emite sinais de que não pretende liderar reformas visando a cortar os chamados 'gastos sociais' (que predominam na pauta dos gastos correntes), o cenário externo, tão favorável desde 2002, finalmente se traduziu, via pressão baixista sobre a taxa de câmbio, em perspectiva de queda expressiva na taxa Selic, independentemente da tendência desfavorável dos superávits. A forte bonança que vem de fora estaria varrendo os graves problemas estruturais que ainda estão entranhados na economia brasileira para debaixo do tapete.

É compreensível que os governos aproveitem momentos como o atual para relaxar um pouco e tentar injetar novo ânimo de crescimento na economia. Afinal, são muitos anos de ajuste fiscal - para alguns, pouco eficiente - e crescimento econômico pífio.

Ficam, contudo, dois problemas: 1) a taxa de juros vai cair, sim, mas tende a encontrar novo ponto de equilíbrio ainda acima da média dos países emergentes. Isso mostra que a queda do superávit (ou o espaço criado para aumentar gastos não financeiros) tem limites; e 2) uma hora o cenário externo pode se reverter e a necessidade de reformas na área do gasto se impor mais rapidamente do que se imagina hoje. Aí, alguém indagará se não deveríamos ter usado a folga criada pela mudança de patamar dos juros para reduzir mais a razão dívida/PIB em vez de aumentar gastos.

Na minha apresentação no Fórum Nacional deste ano (Fórum do Inae/BNDES, a partir de 14 de maio), pretendo demonstrar que os superávits sem juros tendem, de fato, a cair sistematicamente nos próximos sete anos, supondo a ausência de medidas corretivas; ou seja, uma hora os superávits tendem a ficar abaixo do requerido para manter a razão dívida/PIB constante. Acende-se um sinal amarelo, mesmo sob o cenário externo favorável com que o mundo nos tem brindado.

Outro problema é que o ambiente continua desfavorável para o investimento em infra-estrutura se materializar, seja na área pública ou na área privada. Há sérios problemas de gestão, além de ingerência de outros poderes na ação do Executivo, e não é por outro motivo que o novo lote de concessões rodoviárias ainda patina e as Parcerias Público-Privadas (PPPs) federais não deslancham. Isso impede que o alto volume de investimentos que se requer para crescer a taxas elevadas e sustentáveis se materialize e mostra que a árdua tarefa de acelerar o crescimento da economia vai além de criar espaço para maiores gastos em investimentos.

De qualquer forma, tomada a decisão de usar o espaço criado pela queda da taxa Selic para aumentar investimentos, talvez devesse ser reservado um quarto desse espaço (o peso dos Estados no superávit primário) para os Estados, especialmente os mais pobres, investirem um pouco mais. Por terem menor capacidade de contratar operações de crédito, menor peso político e poucos ativos para vender, eles têm maiores dificuldades para financiar investimentos, principalmente após a última renegociação de dívidas. Outra medida que faz sentido é a extensão do mecanismo de desvinculação de receitas (Desvinculação de Receitas da União - DRU) para a esfera subnacional, pois isso permitiria reduzir gastos excessivos em áreas protegidas por essas amarrações em favor de maior volume de investimentos em infra-estrutura.

(1)'Gastos sociais' referem-se a Previdência (inclusive do setor público), saúde e assistência social (inclusive seguro-desemprego). Em 2005, eram 72% do gasto corrente total sem juros.