Título: Relatório derrubou os juros futuros
Autor: Pinto, Lucinda
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2007, Economia, p. B3

O relatório Focus, divulgado ontem pelo Banco Central (BC), foi considerado determinante para a queda dos juros futuros. 'Diria que até mais determinante que o payroll (relatório de emprego dos EUA)', arriscou um operador do mercado.

No documento, veiculado no site do BC pouco antes das 8h30, não há nenhuma novidade, apenas uma explicação detalhada dos modelos macroeconômicos que balizam as decisões sobre a taxa de juros.

A questão é que, para o mercado, o BC deve ter algum objetivo ao divulgar o relatório justamente quando há especulações de que haverá mais flexibilidade na política monetária por causa das recentes mudanças na diretoria do BC. Esses rumores são endossados pela mudança na estratégia de atuação da instituição no câmbio, que, segundo o mercado, passou a ser errática e muito mais intensa.

A falta de explicação do motivo da divulgação do relatório Focus - usado pelo BC para explicar temas específicos da economia, divulgado pela última vez em janeiro de 2006 para tratar do comportamento do comércio exterior - deu margem para especulação. Algumas especulações foram consideradas razoáveis pelos profissionais, outras, como 'ficção'.

O resultado é que, em tempos de ventos tão favoráveis à queda dos juros, a divulgação do relatório reforça a aposta no corte de 0,5 ponto porcentual. 'O relatório jogou mais água no moinho do 0,5 ponto, mais pelo que não diz do que pelo que diz', comentou um economista.

O relatório explica as regras da política monetária, em vigor desde que foi adotado o sistema de metas de inflação. Logo no início reafirma que o objetivo do BC é perseguir a meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Conta, com detalhes, como se dá todo o processo de decisão do Copom e lembra que o presidente da instituição tem a prerrogativa de convocar reuniões extraordinárias.

Há quem acredite que o BC publicou o documento apenas para reafirmar a manutenção do compromisso da nova diretoria com a política monetária em vigor. Mas há também quem considere que, ao relembrar ao mercado as regras, o BC está deixando claro qual é o limite de sua atuação.

Ou seja, se houver aceleração do ritmo de corte da Selic, o Copom não estará mudando de política ou infringindo regras. 'Na verdade, o BC tem espaço de ação maior do que o utilizado até aqui e talvez queira esclarecer isso antes de mudar o padrão', observou o economista.

A forma como o BC vem agindo no mercado de câmbio, mais imprevisível e forte, alimenta essa interpretação, segundo operadores. Para esses profissionais, o BC está demonstrando que pode lançar mão de instrumentos previstos na atual política que estavam encostados.

'O BC comprou, em dois dias, US$ 5 bilhões do mercado, cerca de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Esse BC é capaz de fazer coisas bem diferentes', observou um operador. Há profissionais, no entanto, que atribuem essa leitura ao 'excesso de imaginação'.

O fato é que os juros futuros caíram com força, movidos por um volume de negócios expressivo. Os contratos curtos, por exemplo, foram às mínimas logo no pregão eletrônico, mostrando fôlego que não pode ser explicado apenas pelo resultado do payroll nos EUA, o indicador mais importante do dia.

O DI de janeiro de 2007, por exemplo, chegou à mínima de 12,17%, ante 12,19% ontem, com 184 mil contratos. O DI de janeiro de 2008 bateu, na mínima, os 12,46% e depois subiu para 12,48%, com volume de 318 mil contratos.

COMO O COPOM DECIDE

Composição: O Copom é formado pelo presidente e pelos diretores do Banco Central (são 8, mas no momento só há 6)

Votação: As decisões são tomadas por maioria, sendo que o presidente tem o voto de minerva (desempate)

Reuniões: O Copom se reúne 8 vezes por ano. O presidente do BC pode convocar reuniões extraordinárias

Decisão: A reunião do Copom dura dois dias. No primeiro, participam outros funcionários, além da diretoria, e são feitas avaliações sobre a economia nacional e internacional, comportamento da inflação e do crédito, entre outros. No segundo dia, são só os membros do Copom, e eles fixam a taxa de juros

Ata: A decisão é anunciada assim que é tomada. Uma semana depois, é divulgada a ata do encontro

Relatório: A cada 3 meses, é divulgado um relatório mais aprofundado sobre o comportamento da inflação

Avaliação: O Banco Central usa modelos estruturais (fórmulas matemáticas) que buscam reproduzir o comportamento da oferta e da demanda na economia brasileira e, assim, permitem avaliar o comportamento da inflação. Esse é um instrumento largamente utilizado pelos bancos centrais do mundo inteiro

Atualização: Os modelos são atualizados periodicamente

Simulação: As informações dos modelos estruturais são complementadas por modelos não-estruturais, usados principalmente para simular efeitos de choques - por exemplo, uma seca ou uma crise internacional - sobre os preços

Julgamento: O Copom examina, em certos momentos, cenários alternativos. A decisão não é dada só pelo modelo. O exercício do julgamento dos diretores é fundamental na condução da política monetária.