Título: Legalizar ou não o jogo?
Autor: Mellão Neto, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2007, Espaço Aberto, p. A2

Nunca tive o menor jeito para ele. Eu não acerto nem par ou ímpar. Sorte minha. Os que ficam realmente viciados são aqueles que ganham. Eu não. Quando visito um cassino, no exterior, eu separo a quantia que estou disposto a perder e caminho para a roleta. Meço a minha sorte ou azar pelo tempo em que consigo permanecer jogando antes que o dinheiro acabe. Geralmente bastam alguns poucos minutos. Com os ¿sortudos¿ as coisas se dão de forma diferente. Como, de quando em quando, eles logram ganhar uma bolada, estão sempre dispostos a assumir grandes riscos. Em vão. Eu não conheço nenhuma pessoa que tenha, no balanço geral de sua vida, ganhado mais dinheiro do que perdeu. Cassino não é Santa Casa de Misericórdia. No caso da roleta, já citada, não há nenhuma única combinação de apostas em que o jogador, pela lei das probabilidades, fique em vantagem ante a banca ou mesmo empatado. Mesmo quando se aposta no preto ou no vermelho, no par ou no ímpar, há o número zero para desequilibrar o jogo. O zero, concluí eu, observando a roleta, é a grande chave da lucratividade dos cassinos. Quando se aposta num número pleno e se ganha, a banca te paga a sua ficha mais 35 outras. Mas existem 37 números possíveis - incluindo o famigerado zero. De onde se deduz que o lucro do cassino, na roleta, é de 1/37 sobre o movimento total. Ocorre de a banca vir a perder dinheiro numa única rodada. Mas isso é impossível de acontecer no conjunto geral do dia. Há que se lembrar que um cassino possui diversas roletas e realiza milhares de rodadas por dia. Se pensarmos em grandes números, o resultado é que o cassino sempre ganhará, como lucro, 1/37 do movimento total. Parece pouco, mas não é. Trata-se de um lucro fabuloso, que permite pagar os altos impostos que os governos cobram e ainda sobrar rios de dinheiro para os proprietários.

No caso das máquinas caça-níqueis, o lucro provavelmente é muito maior, já que podem ser programadas pelos proprietários de forma a nunca darem prejuízos. Não sei qual é a margem de lucro sobre o movimento total, mas, acredito, não deve ser muito diferente da que proporcionam as roletas. A um cassino não interessa matar a sua galinha de ovos de ouro. É preciso que elas premiem, de quando em quando, os apostadores para que estes se sintam estimulados a continuar jogando.

É por estas razões que eu não entendo por que alguns jogadores, quando ganham, se sentem como se tivessem vencido o cassino. A este pouco importa se cada jogador, individualmente, ganhou ou perdeu. A margem de lucro provém do conjunto, dos milhares que apostaram naquele dia, e a maioria, de acordo com as probabilidades, perdeu.

Outra coisa que eu não compreendo é por que a nossa Polícia Federal se vangloria em afirmar, a cada apreensão de máquinas caça-níqueis (o jogo é proibido no Brasil, lembram-se?), que analisaram o software delas e descobriram que foram programadas para explorar os apostadores. É óbvio! Mas há que se levar em conta que, se elas nunca derem prêmio nenhum, ninguém vai se sentir estimulado a tentar a sorte nelas.

Ainda sobre o tema jogo, eu ainda não me decidi, mas tenho uma leve propensão favorável a legalizá-lo no Brasil. Não indiscriminadamente, mas a partir de políticas inteligentes, que façam da sua existência um fator indutor de nossa economia e não punam a população pobre.

Nos EUA, por exemplo, o jogo foi liberado, a princípio, em 1931, somente no Estado de Nevada, até então o mais pobre e inviável economicamente da Federação. O jogo, principalmente em Las Vegas, permitiu que a economia prosperasse e gerasse centenas de milhares de bons empregos.

Nas Bahamas o jogo é permitido unicamente para estrangeiros, que devem apresentar os seus passaportes antes de adentrarem um cassino. Os funcionários dos cassinos devem ser contratados exclusivamente dentre a população local.

Em diversos outros países desenvolvidos o jogo é permitido, porém os apostadores devem fazer um depósito prévio, em dinheiro, para provar que têm condições econômicas para arriscar a sua sorte.

O jogo, para os ricos e estrangeiros, é uma excelente política para atrair turistas, gerar empregos e aumentar a arrecadação do governo.

Se há um aspecto daninho do jogo, ele surge quando se abrem indiscriminadamente as suas portas. Eu me recordo de que, em 1975, no Uruguai, fui visitar o Casino de Montevideo. O ambiente era deprimente. Milhares de pessoas pobres, algumas com crianças no colo, apostavam os seus magros salários na roleta e, como era de se prever, perdiam. Assisti a diversas cenas de desespero, de gente que perdera o seu ganha-pão mensal e não tinha mais como recuperá-lo. O jogo é positivo, insisto em dizer, quando voltado exclusivamente para pessoas ricas e turistas estrangeiros.

Quando o Congresso Nacional discutiu a questão da legalização do jogo, há alguns anos, este continuou proibido graças à argumentação de que com ele viriam fatalmente a prostituição, o tráfico de drogas e a corrupção. Concordo em parte. Há que se levar em conta que tudo isso já existe no Brasil, e continuará existindo, independentemente da legalização do jogo. A corrupção, em especial, atinge altas esferas do Poder Judiciário, justamente porque o jogo é proibido.

A legalização do jogo, dentro de políticas racionais, restrito às estâncias turísticas, a regiões economicamente inviáveis do País ou com exclusividade para turistas estrangeiros, seria um excelente chamariz de investimentos, proporcionaria numerosos novos empregos e seria uma grande fonte de recursos para o Estado, que poderia vincular a arrecadação proveniente dele em programas de cunho social.

Não temos por que temer o jogo. Esta fera pode ser domada e utilizada a nosso favor.