Título: Faltam trabalhadores? Boa notícia!
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2007, Espaço Aberto, p. A2

A edição de ontem do suplemento Agrícola, deste jornal, teve como matéria de capa uma boa notícia, intitulada O nó da safra - usineiros alertam: não há braços nem máquinas para colher os 6,4 milhões de hectares de cana.

É boa porque mostra que os investimentos no setor ampliaram a demanda por mão-de-obra. E é boa também porque, em Economia, quase toda escassez se resolve via preços. No caso dos trabalhadores, é só pagar mais que aparecerão. Assim, abre-se a perspectiva de maiores salários num setor até aqui estigmatizado pelas difíceis condições de trabalho dos cortadores de cana, também conhecidos como bóias-frias.

A resposta da oferta nem sempre vem imediatamente, pois varia, caso a caso, o tempo de resposta a preços ou salários maiores. A notícia trata principalmente de trabalhadores mais qualificados, como operadores de colheitadeiras de cana. Nesse caso, o treinamento tomará algum tempo, inclusive no próprio trabalho. ¿Cada homem levará três safras para conseguir um rendimento total da máquina¿, disse um entrevistado. Com o treinamento, haverá os que deixarão a condição de bóias-frias.

Segundo a notícia, estes também estão difíceis de encontrar. Eu acrescentaria: ao preço ou custo que os usineiros estão acostumados a pagar. É só pagar mais e/ou buscar mais longe que serão encontrados, pois no Brasil ainda há muitas pessoas dispostas a cortar cana, desde que isso lhes traga um ganho superior ao auferido nas regiões de sua origem, nos empregos de que lá dispõem. Isso, se estiverem empregados, pois há também os desempregados e os que se sustentam por si mesmos na chamada produção de subsistência.

É uma notícia setorial ligada ao grande desenvolvimento da produção de cana, agora empurrada por grandes expectativas quanto ao desenvolvimento do mercado de etanol, o que amplia os investimentos no setor. Mesmo setorial, serve de exemplo do papel dos investimentos na geração de produção adicional e mais empregos. O ideal seria que investimentos bem maiores se generalizassem, alcançando a economia como um todo, pois só assim teríamos de fato um espetáculo de crescimento, levando também à melhoria da qualificação e dos rendimentos dos trabalhadores.

Em 1973, no final de um ciclo de seis anos em que a economia brasileira teve um crescimento ¿chinês¿, pois comparável às taxas acima de 10% ao ano que a China mostra hoje, surgiram em São Paulo notícias de uma ¿crise de escassez de mão-de-obra¿. Como hoje na região e no setor cobertos pela reportagem, os empresários falavam em ¿crise¿ porque não mais encontravam trabalhadores aos mesmos salários que vinham pagando. Para estes últimos, era uma ¿crise¿ a comemorar. Logo em seguida, as taxas de crescimento caíram e ao final da década o Brasil ingressou no período de taxas medíocres que perduram até hoje. Houvesse continuado o crescimento ¿chinês¿, grande parte dos problemas sociais brasileiros teria desaparecido com a valorização da mão-de-obra, mesmo de menor qualificação.

A teoria econômica e suas evidências empíricas deixam claro que, se uma economia como a brasileira não crescer mais aceleradamente, a melhoria dos salários será limitada pela ainda enorme quantidade de pessoas dispostas a trabalhar por rendimentos irrisórios. Um dos pioneiros de modelos econômicos nessa linha foi W. Arthur Lewis, agraciado com o Prêmio Nobel da área, em 1979.

Nesse quadro, políticas redistributivas, como a expansão do programa Bolsa-Família e das aposentadorias vinculadas ao salário mínimo, priorizadas pelo presidente Lula no seu primeiro mandato, servem só como paliativo. Elas não integram as pessoas no processo produtivo, com rendimentos do próprio trabalho, e há também o risco de ficarem dependentes do governo, desinteressadas em buscar outros rendimentos por falta de oportunidades adequadas.

Os investimentos em formação bruta de capital fixo (em novas fábricas, fazendas, infra-estrutura, hospitais e tudo o mais que produz bens e serviços) são o que gera essas oportunidades, como o demonstra a notícia. É preciso fazer com que surjam com força também em outros setores e regiões, inclusive com o governo expandindo seus investimentos, hoje ínfimos diante da enorme carga tributária que impõe à sociedade.

Entretanto, o Brasil continua investindo muito aquém do necessário para crescer mais rapidamente. Os últimos dados divulgados pelo IBGE, das Contas Nacionais reformuladas, revelaram que o País investe apenas ridículos 16% do seu PIB, taxa inferior até mesmo às de países desenvolvidos, que não precisam crescer tanto como o nosso. Já os países em desenvolvimento que crescem bem mais que o Brasil, como a Índia, mostram taxas acima ou mesmo perto de 30% do PIB, enquanto a China alcança um número próximo de 40%.

Com seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), parece que o presidente Lula finalmente se convenceu da necessidade de investir mais, fazendo desse plano a bandeira do seu segundo mandato. Contudo, o PAC é muito limitado nas suas medidas para expandir investimentos públicos, bem como para criar um clima adequado a que o setor privado amplie fortemente os seus. Em particular, falta um ataque incisivo à carga tributária elevada, à contínua expansão dos gastos públicos e um empenho efetivo em reformas voltadas para aspectos institucionais que dificultam os investimentos em geral e a expansão do emprego, como na área trabalhista e previdenciária.

Assim, a notícia que vem dos canaviais é boa. Ótima seria uma que viesse de Brasília, de medidas suficientemente fortes e amplas para levar a uma escassez de mão-de-obra de alcance nacional.