Título: Nossa miséria e a de nossos ancestrais
Autor: Reinach, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2007, Vida&, p. A19

¿Estamos andando para trás.¿ Assim descrevemos o aumento da distância que separa o Brasil dos países desenvolvidos. A cidade de Kindu, no Congo, andou para trás. Hoje seus habitantes vivem sem eletricidade e o comércio é feito em lombo de burro desde que estradas foram tomadas pela floresta. As condições de vida estão entre as piores do mundo. Há 50 anos, Kindu era ligada ao resto do Congo por rodovias e chegou a ter cinema.

Será possível comparar a vida nas regiões mais miseráveis do planeta com as condições enfrentadas na Pré-História ou na Idade Média? Apesar de ser difícil medir sofrimento ou conforto em diferentes épocas e geografias, uma metodologia usada pelos ecologistas pode ajudar. Em ambiente favorável, espécies tendem a crescer rapidamente. O simples fato de uma população crescer indica que as condições são favoráveis. É o caso dos ratos nas grandes cidades. Apesar de aparentemente a floresta ser um ambiente mais agradável, acharam situação mais favorável nos esgotos.

Quando o ambiente se torna menos propício, a taxa de crescimento cai e a população se estabiliza. Quando se torna realmente inóspito, o número de indivíduos tende a diminuir até que a espécie caminhe para a extinção.

Se analisarmos as condições de vida desse ponto de vista, é fácil concluir que o ambiente de nossos antepassados era pior que miserável. Os cientistas acreditam que mil anos antes de Cristo o número de seres humanos no planeta não passava de 150 milhões. Foram necessários 2.500 anos para atingirmos 500 milhões de pessoas.

Isso representa uma taxa de crescimento minúscula ao longo desse tempo, o que indica condições duríssimas de vida. O quadro melhorou rapidamente. Em 1850, já éramos 1 bilhão, em 1950, 3 bilhões; hoje, mais de 6 bilhões. O trágico é que, mesmo nas regiões mais pobres, as populações submetidas às piores condições de alimentação e saúde crescem a taxas maiores que as dos nossos antepassados, o que mostra quão resistente é a espécie humana.

Desde a invenção da agricultura, da medicina e dos métodos anticoncepcionais, o homem pode controlar seu crescimento populacional, se liberando da estratégia adotada por todo ser vivo que consiste em se reproduzir o mais rapidamente possível sabendo que grande parte da progênie não sobrevive. O inaceitável é que a liberdade propiciada por esses três conhecimentos não seja disponível para toda a humanidade e que ainda hoje as condições de vida estejam realmente piorando.