Título: ICMS, um erro genético
Autor: Panzarini, Clóvis
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2007, Economia, p. B2

O governo federal requenta o debate da reforma tributária. O mise-en-scène é o mesmo de 2003, quando, para obter a prorrogação da CPMF e da Desvinculação das Receitas da União (DRU), apresentou proposta de reforma que supostamente resolveria todos os problemas tributários do País. Diz, agora, que aquela proposta está superada e que deseja reforma tributária mais profunda. As linhas gerais até aqui divulgadas da nova reforma tributária revelam a retomada de uma proposta de 1995, chamada à época de proposta Mussa Demes, que depois de seis anos de debates foi arquivada por causa de conflitos federativos.

Assim como aquela, a ¿nova¿ proposta de reforma tributária prevê a substituição de todos os impostos sobre consumo, dos três níveis de governo, por um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA), com administração compartilhada entre a União e os Estados, em desenho conhecido por IVA dual.

O maior problema do sistema tributário brasileiro chama-se ICMS, que, por erro genético, nasceu com 26 ¿cromossomos¿ a mais. Impostos sobre valor agregado, como é o caso do ICMS, têm natureza nacional, pois a cadeia de débito e crédito faz com que a decisão de um Estado contamine a economia dos outros. Esses impostos devem, então, ser unos, de competência federal, mas no Brasil sua competência foi outorgada aos Estados e o imposto desdobrado em 27. Guerra fiscal, insegurança jurídica, acumulação de crédito, multiplicidade de regras e ¿passeio¿ de notas fiscais são exemplos de distorções decorrentes da equivocada outorga. Na busca de superação dos problemas, o governo pretende fundir todos os impostos sobre consumo em um IVA nacional compartilhado e adotar, na parcela estadual, o princípio de destino, em substituição ao de origem (ou misto), hoje vigente, mudança essa teoricamente mais adequada, pois circunscreve os efeitos das decisões tributárias de cada Estado aos limites de seu território. Resolve o problema da guerra fiscal, mas cria vários outros: compromete a receita dos Estados exportadores líquidos, acentua o problema dos créditos acumulados e aumenta dramaticamente sua complexidade operacional.

Existem duas formas de implementação do princípio de destino do IVA. A primeira e mais óbvia é simplesmente ¿zerar¿ a alíquota interestadual e a outra é cobrar o imposto com alíquota ¿cheia¿ na origem e repassar a receita ao Tesouro do Estado destinatário da mercadoria. A primeira forma - alíquota zero na operação interestadual -, além de exigir dispendioso controle de fronteira, sob pena de explosão da sonegação, acentua o problema de acumulação de créditos na origem, pois as operações interestaduais não tributadas teriam o mesmo efeito de exportação para o exterior. A implementação da segunda forma - cobrança da alíquota ¿cheia¿ na origem - abre duas possibilidades. Na primeira, o próprio contribuinte (vendedor) recolhe o imposto ao Tesouro do Estado da localização do seu cliente, operação por operação (como previa a proposta de reforma ¿modelo 2003¿, agora arquivada), o que, do ponto de vista operacional, é sandice, pois exige que a empresa que promove operações interestaduais seja contribuinte inscrito em todos os Estados onde tenha cliente. Na segunda possibilidade, o imposto é recolhido integralmente ao Estado de origem - como é hoje -, e este transfere, via Câmara de Compensação, o quinhão interestadual para cada Estado destinatário. Pressupõe, pois, confiança mútua entre as 27 unidades federadas. Em qualquer dessas duas alternativas, a cobrança do ICMS na origem e repasse ao Estado destinatário, além dos problemas operacionais já apontados, acentua a acumulação de crédito no destino. Imagine-se, por exemplo, uma siderúrgica capixaba que hoje compra minério em Minas Gerais tributado com ICMS de 7% para transformação e na exportação ter de fazê-lo a 18%!

Essas mudanças pedestres não curam a doença genética do ICMS, que só seria sanada pelo seu deslocamento para competência federal. Isso é politicamente inviável, mesmo que fosse garantido o repasse integral da arrecadação para os entes federados subnacionais. Suspeito que mais uma vez ficaremos apenas na prorrogação da CPMF e da DRU.