Título: Intervenção, sim. Mas sem exagero
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2007, Economia, p. B3
Com a posse de Luciano Coutinho no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a instituição reúne agora dois dos mais influentes especialistas em política industrial do País. Além do próprio Coutinho, o BNDES tem em seus quadros o economista Antônio Barros de Castro, atual diretor de Planejamento,que há anos desenvolve um pensamento original e bastante complexo sobre as alternativas de política industrial do País.
As visões de Coutinho e Castro são distintas, mas não necessariamente incompatíveis. Se o novo presidente do BNDES mantiver o diretor de Planejamento, um cenário possível é que Castro formule a parte de inovação da nova política industrial do banco. Mas não se pode prever, a priori, se a química entre os dois funcionará, já que há diferenças sensíveis.
À primeira vista, eles estão no mesmo campo intermediário do debate sobre política industrial no Brasil. À sua esquerda, há personalidades como o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa e seu vice-presidente e braço direito Darc Costa, que defendem o resgate da política industrial dos anos 70, com maciça intervenção, coordenação e distribuição de subsídios. À direita, estão os economistas liberais da PUC-Rio e da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também no Rio, que são avessos a quase qualquer tipo de política industrial.
Coutinho e Castro acreditam no papel do governo na economia, mas estão longe de crer que o modelo dos anos 70 serve ao Brasil de hoje. No entanto, suas posições foram adaptadas de forma distinta ao cenário atual de competição global acirrada e exponencial desenvolvimento tecnológico e financeiro.
Como ficou claro no seu discurso de posse, Coutinho mantém a visão de um papel central do Estado - por meio de instituições como o Ministério do Desenvolvimento e o BNDES - na estratégia de desenvolvimento econômico. Isso significa um amplo escopo para estimular setores considerados vitais no capitalismo contemporâneo, como o de tecnologias de informação e de comunicações, para empurrar segmentos tradicionais, como o complexo automotivo e a indústria farmacêutica, e para defender indústrias empregadoras e vulneráveis à valorização cambial, como calçados, vestuário e mobiliário
Castro, por sua vez, defende um conceito mais fluido de política industrial, no qual a estratégia do governo se deixa guiar pelo mapa de oportunidades revelado pelo próprio setor privado, com suas vantagens comparativas inatas (como em recursos naturais) ou construídas (como na indústria metal-mecânica). Na visão do diretor de Planejamento, são centrais os elementos mais ¿leves¿ (palavra que ele mesmo emprega freqüentemente) da política industrial, como inovação, articulação dos diversos atores (empresa, centros de pesquisa, governo), e até marketing e design.
O ponto de convergência entre os dois se dá na crença numa estratégia nacional de desenvolvimento, na grande ênfase à inovação e também na completa aceitação do jogo do capitalismo ultraturbinado contemporâneo. Tanto Coutinho quanto Castro acreditam em ajuste fiscal, melhora do ambiente de negócios e no desenvolvimento do mercado de capitais, temas caros também aos liberais. Outro ponto de concordância dos dois economistas é a preocupação com a sobrevalorização cambial e seus efeitos no tecido industrial brasileiro.
PRINCIPAIS PONTOS DO DISCURSO
Política industrial: alargar a política industrial com o Ministério do Desenvolvimento
PAC e infra-estrutura: acelerar investimentos em infra-estrutura. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) dará suporte à coordenação entre empreendedores, banco e mercado de capitais na estruturação de financiamento adequado, principalmente aos projetos de maior porte
Indústria da transformação: precisa voltar a funcionar como motor propulsor da economia
brasileira. A indústria precisará acelerar processos de inovação em novos produtos, processos, produtividade, além de gestão e governança
Foco setorial: continuar apoiando setores como mineração, siderurgia, metalurgia de não-ferrosos, celulose, papel e petroquímica, mas com foco em tecnologias de informação e comunicações, setores nos quais o Brasil ¿marcou passo¿
Escala no continente: projetos que tirem proveito da escala do mercado brasileiro e da América do Sul para empreendimentos em equipamentos de telecomunicações, digitalização da TV, informática, componentes microeletrônicos e outros
Farmoquímica: estratégia de desenvolvimento mais ¿consistente e ambiciosa¿, com fortalecimento das empresas nacionais e estímulo aos investidores estrangeiros
Complexo automotivo: a cadeia do setor no Brasil tem chance de se consolidar, nos próximos anos, como uma das sete ou oito cadeias globais de produção
Câmbio: por conta de problemas causados pelo câmbio valorizado, o BNDES recebeu a missão de apoiar setores intensivos em trabalho, principalmente pequenas e médias empresas de segmentos mais prejudicados pela valorização cambial
Descentralização de investimentos: o desenvolvimento industrial deve contemplar a descentralização dos empreendimentos de grande porte, com papel ¿pró-ativo¿ do BNDES em relação às Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste
Construção civil: trabalhar em parceria com o Ministério das Cidades, a Caixa Econômica Federal e setor privado para expandir financiamento à habitação
Petróleo e gás: sem esquecer os atores privados, o banco vai trabalhar ¿em cooperação direta e intensa com a Petrobrás¿. O setor é prioritário para o desenvolvimento industrial e suprimento de energia
Taxa de investimento: ¿Sem a elevação continuada dos investimentos, não há como sustentar o desenvolvimento. O esforço maior do BNDES estará concentrado na consecução desse objetivo, com a indispensável contribuição do setor privado¿.