Título: O debate da segurança
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/05/2007, Notas e Informações, p. A3
No mesmo dia em que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal para 16 anos, o ministro da Justiça anunciou que dentro de um mês apresentará o ¿PAC da segurança¿, criando um piso para os salários dos agentes policiais e equiparando os vencimentos dos policiais militares e civis em todo o País. A idéia é adaptar para o setor os mecanismos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que distribui recursos federais entre Estados e municípios, destinando 60% do dinheiro para pagamento dos professores.
Diante da escalada de violência e criminalidade, as iniciativas do Legislativo e do Executivo são oportunas. A proposta do ministro Tarso Genro, no entanto, precisa ser vista com cautela porque, por enquanto, não passa de uma declaração de intenções. Já a redução da maioridade penal foi recebida em clima de histeria por juristas, movimentos religiosos e ativistas de direitos humanos. Um ministro do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, criticou a decisão da CCJ, alegando que, em vez de reprimir jovens carentes, o Estado deveria ¿oferecer oportunidades de trabalho num contexto social de inclusão¿.
Na realidade, os problemas subjacentes às duas iniciativas dão a medida da dificuldade de se modernizar a legislação penal e formular uma política de segurança pública eficaz. Ao propor a equiparação dos salários dos policiais no País sem explicitar de onde virão os recursos, por exemplo, o governo pode estar criando mais dificuldades do que soluções.
Ao todo, os Estados têm hoje 390 mil PMs e 116 mil policiais civis. A remuneração inicial dos PMs varia entre R$ 850 em Alagoas e R$ 2,9 mil no Distrito Federal. A mesma discrepância salarial pode ser encontrada entre os policiais civis. Para ser implementado, portanto, o ¿PAC da segurança¿ depende de sofisticada engenharia financeira e de vultosa dotação orçamentária, seja da União, seja das unidades da Federação. Como há pelo menos três Estados que não têm a menor condição fiscal de arcar com novas despesas, dos quais Alagoas é o caso mais conhecido, pois já gastam com folha de pagamento muito mais do que arrecadam, a fixação de um piso nacional pode levá-los ao colapso. É por isso que, para se levar a proposta do ministro Tarso Genro a sério, primeiro é preciso saber se ele já conversou com seus colegas dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento a respeito das fontes de financiamento do ¿PAC da segurança¿.
No caso da redução da maioridade penal, o problema está relacionado ao enviesamento ideológico dos críticos da decisão da CCJ do Senado. Segundo eles, as prisões, em vez de educar e recuperar, só fortalecem a ¿cultura da criminalidade¿. Além disso, ao desprezar a importância da modernização da legislação penal, que foi editada em 1940, quando eram outras as condições socioeconômicas do País, eles deslocam a discussão para questões sociológicas e políticas. Isso até pode render boas dissertações de mestrado e acirrados debates acadêmicos, mas não resolve o problema do cidadão comum, cuja segurança pessoal exige que jovens criminosos de alta periculosidade sejam retirados das ruas.
Esse é o ponto central do problema. Se jovens com idade entre 16 e 18 anos podem votar, por que não podem ser responsabilizados por seus delitos? Se a lei abre a esses jovens a possibilidade de se emancipar antes dos 18 anos, por que não pode exigir deles que respeitem o próximo no convívio social?
Além de não oferecer respostas para essas questões, os críticos da decisão da CCJ do Senado se esquecem de outro detalhe: longe de ¿criminalizar a juventude¿, como afirmam, o projeto aprovado circunscreve a pena de prisão só aos jovens que tenham cometido crimes hediondos, como homicídio, seqüestro e tráfico de drogas.
Tanto o ¿PAC da segurança¿ quanto a proposta de redução da maioridade penal terão de percorrer um longo caminho até serem convertidos em lei. O modo açodado como o primeiro foi anunciado e o clima de histeria com que a segunda foi recebida mostram o quanto as duas iniciativas estarão expostas às pressões políticas em sua trajetória.