Título: Primeira ou segunda divisão?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2007, Notas e Informações, p. A3

Em breve o governo terá de resolver, mais uma vez, se deseja inscrever o Brasil na primeira divisão da economia mundial ou se prefere mantê-lo como líder - ou pretenso líder - da segunda divisão. Nesta semana, os 30 membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a liga das economias mais avançadas, deverão votar mais uma autorização para sua secretaria iniciar conversações com possíveis novos membros. O Brasil deverá entrar na lista dos convidados. A lista poderá incluir outras economias emergentes ou em transição do socialismo para o capitalismo. Segundo informações recentes, a sondagem deverá incluir a Índia, a China, a Rússia e a África do Sul, mas também se especulou, em meados de abril, sobre convites ao Chile, a Israel, à Estônia e à Eslovênia.

A secretaria-geral da organização, chefiada pelo mexicano Angel Gurría, tem motivos para ser cautelosa em relação ao governo brasileiro. No primeiro mandato petista, Brasília respondeu com um ¿não¿ a uma sondagem semelhante. O governo jamais tratou do assunto publicamente, mas pelo menos um dos motivos da recusa tornou-se conhecido: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus conselheiros para assuntos internacionais preferiram manter o Brasil no mesmo status de seus ¿parceiros estratégicos¿.

Só um país latino-americano, o México, admitido em 1994, participa da OCDE, criada em 1960 por 20 países como esforço para definição e articulação de políticas favoráveis à expansão do comércio, do investimento e da integração financeira mundial.

A OCDE deveria ser mais que um fórum de conversações e um centro de pesquisas. Seus membros deveriam assumir compromissos em relação a práticas econômicas e financeiras, como a liberalização progressiva dos movimentos de capitais.

Em geral, o convite para ingresso na OCDE só ocorre quando um país é considerado maduro para atuar como economia industrializada. Um governo pode hesitar diante do convite, se julgar seu país despreparado para a primeira divisão. Talvez não queira renunciar à interferência habitual no câmbio ou às barreiras ao movimento de capitais. Também pode julgar mais confortável depender do Sistema Geral de Preferências (SGP). Os benefícios comerciais do SGP, no entanto, são concedidos por decisão unilateral e, portanto, são incertos.

Mas o ingresso no clube oferece vantagens consideráveis a qualquer país disposto a assumir os encargos da maioridade econômica. Um dos benefícios é a participação em decisões importantes para o comércio internacional, como a fixação de padrões aceitáveis de financiamento. Na disputa entre a Embraer e a canadense Bombardier, por exemplo, a discussão sobre financiamento subsidiado foi baseada em critérios definidos pela OCDE e aceitos pela OMC.

A adaptação de políticas, outra possível preocupação, também é menos complicada do que possa parecer inicialmente. Em geral, a adesão às normas da organização ocorre de forma progressiva, sendo possível, portanto, programá-la.

No caso brasileiro, a decisão não deveria ser muito difícil. O País não poderá depender indefinidamente dos benefícios do SGP. É preciso cuidar da competitividade por outros meios, como a reforma tributária, o investimento na infra-estrutura, a educação da mão-de-obra e assim por diante.

Mas o governo brasileiro tem hesitado por motivos muito estranhos. O presidente Lula insiste em atuar como porta-bandeira das economias pobres e em desenvolvimento, como se fosse condenável, ou talvez pecaminoso, pensar no interesse nacional como objeto de uma política própria. Índia, China, Rússia e África do Sul, para não mencionar qualquer outro latino-americano, jamais subordinaram seus objetivos a qualquer interesse do Brasil. A escolha entre o ingresso na OCDE e a manutenção da liderança no Terceiro Mundo não tem sentido. Afinal, que liderança é essa? Com ou sem convite da OCDE, o Brasil ganhará, se o seu presidente trocar o terceiro-mundismo por uma visão realista do interesse nacional.