Título: A estatização na Venezuela
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2007, Notas e Informações, p. A3

O presidente Hugo Chávez prossegue, em ritmo acelerado, no seu programa de estatização da economia venezuelana. Ao contrário de seu discípulo boliviano, Evo Morales, o coronel Chávez não põe a faca no pescoço dos investidores estrangeiros, embora não deixe de sobre eles fazer pressões, que capitaliza junto aos eleitores venezuelanos. A diferença é que Morales não dispõe dos bilionários recursos do petróleo de que Chávez pode lançar mão, e por isso apela para medidas arbitrárias, como as adotadas contra a Petrobrás.

Já Hugo Chávez pode dar-se ao luxo de levar a Venezuela para o ¿socialismo do século 21¿ por caminhos mais suaves - mas nem por isso menos ominosos para o futuro do país. Ele acaba, por exemplo, de nacionalizar - palavra que prefere a estatizar - a Companhia Anônima Nacional de Telefones da Venezuela (Cantv), a maior empresa privada em funcionamento no país, comprando o seu controle acionário por US$ 1,3 bilhão. Foi uma típica ação capitalista, no mercado acionário. O governo fez uma oferta de compra nas Bolsas de Caracas e de Nova York, onde são negociados os papéis da empresa, que era controlada pela norte-americana Verizon Communications. O negócio será liquidado no dia 18 e, depois de nomear uma diretoria para a empresa, o governo venezuelano pretende retirar os papéis da Bolsa de Nova York, concentrando os negócios acionários em Caracas.

O governo venezuelano ficará com 86,21% das ações. O restante continuará em poder dos empregados aposentados da Cantv e de pequenos acionistas locais. Com isso, controlará as telecomunicações do país e dominará 78% dos serviços de internet, o que levou a oposição a afirmar que, com a compra, o objetivo do coronel Chávez é exercer um controle maior das comunicações no país, instalando filtros na rede.

Pode ser. O fato é que Hugo Chávez está estatizando todos os setores-chave da vida nacional. Inimigo declarado da livre iniciativa, não o é menos da liberdade de informação. O seu próximo objetivo é a Radio Caracas Televisión (RCTV), a rede de maior audiência da Venezuela e que faz oposição ao governo. No dia 27, segundo as contas de Hugo Chávez - contestadas pela direção da emissora -, expira a licença de funcionamento da RCTV e Chávez já anunciou que não irá renová-la. Tirada do ar e de seus legítimos donos, o governo usará seus canais de rádio e televisão para implantar uma ¿rede pública¿ que, obviamente, ficará a serviço do projeto bolivariano.

O projeto estatizante de Chávez desce a minúcias que evidenciam a sua vocação autoritária. Estabeleceu rígido controle de câmbio e de preços no atacado e no varejo. Não apenas congelou os preços de produtos essenciais, como agora ataca as indústrias de bens de capital, ameaçando-as de ¿nacionalização¿. Até o mercado de trabalho é controlado. As pessoas que foram demitidas da PDVSA durante a greve da empresa e os milhares de signatários do pedido de convocação do plebiscito para confirmar o mandato presidencial (o recall) têm grandes dificuldades para encontrar emprego.

Em fevereiro, o governo estatizou a Eletricidade de Caracas, a maior empresa do país no setor. E, no início de maio, assumiu o controle dos projetos petrolíferos da faixa do Orinoco. Todas as empresas petrolíferas que exploravam o óleo superpesado daquela bacia concordaram com a mudança acionária que deixou a PDVSA em posição majoritária, exceto a ConocoPhillips, o maior investidor estrangeiro na indústria petrolífera venezuelana. Mas isso não significa que o processo de estatização esteja concluído.

Falta resolver a questão das compensações pelos ativos estatizados - investimentos originais de cerca de US$ 17 bilhões, que têm hoje um valor de mercado em torno de US$ 30 bilhões. O governo, tudo indica, quer ficar com o controle de graça. Também não quer assumir dívidas contratadas pelas empresas agora minoritárias, no valor de US$ 4 bilhões.

Mas Chávez não pode tratar muito mal essas empresas. São elas, e não a PDVSA, que detêm a tecnologia para transformar o óleo superpesado do Orinoco - pouco valioso por não poder ser refinado diretamente - num tipo altamente valorizado de petróleo leve.

Chávez abomina a livre iniciativa. Mas ainda não pode livrar-se inteiramente dela.