Título: Alívio fiscal implica mudar lei
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2007, Economia, p. B2

Não é correto afirmar que a lei complementar 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estabelece que os Estados podem ter uma dívida igual ao dobro de sua receita anual. Alguns governadores estão dizendo isso como argumento a favor da ampliação do endividamento estadual. Na verdade, a LRF apenas determina que as dívidas da União, dos Estados e dos municípios tenham limites globais, a serem fixados pelo Senado. Nesse aspecto, a lei repete o que consta no artigo 52 da Constituição.

Os limites de endividamento para Estados e municípios foram fixados pela resolução 40/2001 do Senado. Desde 2001 até hoje, o governo federal evita que o Senado aprove também um limite para as dívidas da União. Mas, ao contrário do que os governadores estão dizendo, a resolução 40 do Senado não estabelece que a dívida estadual poderá chegar a duas vezes a receita anual. O dispositivo é um pouco diferente dessa interpretação.

Quando a resolução foi aprovada, em dezembro de 2001, o endividamento de boa parte dos Estados estava acima de duas vezes a receita corrente líquida anual. Assim, o que o Senado fez, de forma generosa, foi conceder um prazo de 15 anos para que os Estados reduzissem suas dívidas para um valor correspondente a duas vezes a receita corrente líquida anual. Ocorre que, passados cinco anos, apenas o Rio Grande do Sul e Alagoas ainda não reduziram suas dívidas para o limite definido pelo Senado.

Há um aspecto que precisa ser levado em consideração para se entender o problema. As dívidas estaduais foram renegociadas de acordo com os dispositivos da lei 9.496/1997. Ao renegociar suas dívidas, os governadores assinaram contratos que previam programas de ajuste fiscal. De acordo com a lei 9.496, o contrato devia determinar que, enquanto a dívida financeira for superior à sua receita líquida anual, o Estado não poderá emitir novos títulos públicos e somente poderá contrair novas dívidas, inclusive empréstimos externos em organismos financeiros internacionais, se cumprir as metas relativas à dívida financeira, na trajetória estabelecida pelo programa de ajuste fiscal.

A trajetória prevista nos contratos aponta para uma relação de um para um entre a dívida e a receita líquida anual ao fim de 360 meses, prazo em que o estoque das dívidas foi refinanciado pela União. Essa regra limita fortemente a capacidade de endividamento dos Estados.

A regra da lei 9.496 foi proposta pelo governo Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, com a intenção de colocar um ponto final no endividamento irresponsável que caracterizava o comportamento das administrações estaduais até então. Não há, é bom que se diga, incompatibilidade entre o dispositivo da resolução 40 e o disposto nos contratos de renegociação das dívidas assinados pelos governadores.

Ocorre que, agora, o governo Lula decidiu aliviar o ajuste fiscal. Mas apenas a União está se beneficiando dessa decisão. O superávit primário do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) para este ano foi fixado em 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB), mas poderá ser reduzido em até 0,45% do PIB por causa dos gastos com o Projeto Piloto de Investimento (PPI). Ou seja, o superávit efetivo é de apenas 1,75% do PIB.

Os governadores de Estados importantes, principalmente de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, também querem usufruir desse alívio fiscal, pois os três são potenciais candidatos à Presidência da República em 2010 e os investimentos públicos chamam mais a atenção do eleitorado. Como os Estados não têm caixa suficiente para fazer os investimentos, o caminho inevitável é o do aumento do endividamento.

A pressão dos governadores por maior endividamento envolve, em primeiro lugar, uma questão federativa, já que a União não poderá se beneficiar sozinha do alívio fiscal. Em segundo lugar, esconde uma luta pela sucessão presidencial. O problema é que qualquer decisão que resulte em maior endividamento dos Estados significará mudança nos contratos de renegociação assinados com a União, ou seja, implicará em nova renegociação dos débitos.

O artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe, no entanto, que a União faça qualquer tipo de operação de crédito com os Estados e municípios, ainda que sob a forma de renovação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente. O alívio fiscal pretendido pelos governadores implica, portanto, mudança de contratos e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

É provável que, até conseguirem esse alívio fiscal, os governadores exercerão pressão sobre o governo federal, por intermédio de suas bancadas no Congresso, dificultando a aprovação de matérias de interesse do Palácio do Planalto.