Título: O problema é de inépcia operacional
Autor: Rocha, Marco Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2007, Economia, p. B2

Nesta segunda metade do quinto mês do segundo mandato do presidente Lula, o governo exibe duas faces bem delineadas e diametralmente opostas.

A face político-partidária-parlamentar é, digamos, luminosa. Nessa arena o governo está, literalmente, nadando de braçada e ministrando lições de esperteza que seriam aplaudidas pelas velhas raposas do antigo PSD.

Em pouquíssimo tempo, desde a posse, Lula não só reuniu uma base parlamentar e político-partidária, de apoio sobretudo à sua pessoa, de fazer inveja a qualquer dos seus antecessores. No mesmo ritmo, conseguiu isolar os opositores, dentro e fora do PT, de tal forma que os pretensos candidatos a futuras candidaturas se entregam a todo tipo de trejeitos, tão indisfarçáveis quanto canhestros, para se aproximar da coroa e do cetro de S. Exa.

Não vale a pena falar do modus faciendi dessa engenhosa construção, verdadeira plataforma de saltos para além de 2010, pois já foi confirmado pela história recente que a grande maioria do nosso público não tem o menor interesse nem dá a menor importância para as denúncias dos meios empregados por Lula para fazer seja o que for, desde que os fins o favoreçam e ampliem a imagem que já tem, de campeão dos oprimidos. Esse, aliás, é outro dos seus atributos, adquirido com o poder: o de pairar acima do julgamento que dele possam fazer as pessoas de bem e continuar desfrutando da benquerença popular. Podemos encerrar as considerações sobre essa faceta bem-sucedida do seu governo reconhecendo apenas que ele rompeu um velho tabu, ou crença, o de que apoio eleitoral não se transforma necessariamente - aliás, só se transforma dificilmente - em apoio político: no momento, e até onde dá para enxergar, Lula parece ter mais força política do que tinha ao sair das urnas com mais de 60% dos votos.

O desempenho da outra face do governo, a face operacional, é uma história completamente diferente.

Em primeiro lugar, surpreende e até desconcerta o fato de que, depois de um primeiro mandato de quatro anos e de uma campanha eleitoral em que o mote principal era a retomada do crescimento e dos investimentos, o governo ainda se mostre despreparado, confuso e improvisado nessa área. Falta-lhe, ao que tudo indica, um gerentão eficaz que faça acontecer. Os ex-alunos de escolas de administração de empresas da década de 60, hoje aposentados, diriam que falta ao governo um bem elaborado cronograma PERT-CPM - alguém ainda se lembra disso? Não? Bem, é coisa antiga, mas o governo atual não aprendeu nem mesmo essa ferramenta, contemporânea do rádio de válvula.

A ministra Dilma Rousseff, em que pese a sua inegável capacidade de trabalho e de dedicação integral à missão que o chefe lhe atribuiu, já está emitindo sinais de que o seu drive executivo pessoal não era bem o que se imaginava e muito menos o que se faz necessário para a imensa tarefa de alinhar a tropa do setor público e colocá-la em marcha batida para superação dos gargalos da economia e tropeços da administração.

Na semana passada, o balanço que a ministra apresentou para toda a imprensa do andamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não contribuiu para inspirar mais confiança, seja no programa, seja na maneira com que ela o conduz. Aliás, ao dizer que realizar 60% do PAC já é um avanço, a ministra não arriscou tirar gás apenas do programa, mas também do espírito de quem aposta nele. Graças aos fados que inegavelmente favorecem Lula, o curioso é que muitos investidores privados parecem estar apostando no PAC mais do que objetivamente seria justificável à luz da ação concreta do governo, que, até agora, tem sido quase nenhuma. Na prática, o governo ainda não conseguiu sair do período e do terreno das improvisações político-administrativas vinculadas à formação da famosa base parlamentar para dar um rumo coerente e uma coordenação adequada aos seus ministros e auxiliares, no que respeita ao conjunto das suas intenções. Foi o caso típico, por exemplo, da criação da Secretaria Especial dos Portos, que, para acomodar um aliado partidário, retirou alguns portos do País da subordinação ao Ministério dos Transportes, receita infalível para gerar impasses burocráticos e políticos.

Um título da Folha de S.Paulo resumia, na semana passada, praticamente tudo o que estamos tentando mostrar: Governo derruba país em ranking de competitividade - dizia o jornal. Falava do diagnóstico do International Institute for Management Development (IMD), da Suíça, no qual o Brasil caiu do 44º para o 49º lugar em termos de competitividade internacional, entre 55 países pesquisados. Foi o quesito 'eficiência do governo' que derrubou o Brasil. Nele, ficamos em 54º lugar, à frente apenas da Venezuela.

As críticas sobre a ação e a política do Ibama - órgão decisivo para a demarragem do PAC -, diante das quais a ministra Marina Silva se vê perdida, partidas agora de dentro do próprio governo, mostram quão desestruturado e despreparado este se encontra.

Nada disso parece perturbar a lua-de-mel que o mercado financeiro internacional e o Brasil desfrutam atualmente e que avoluma a enxurrada de dólares para cá como se aqui houvesse um Velocino de Ouro e Lula fosse o rei Eestes - o que em algum momento obrigará o governo a adotar medidas contingenciadoras.

Mas, a médio prazo, a dicotomia entre o fortalecimento político da pessoa do presidente e a inépcia operacional do seu governo - que, além de desencorajar a economia, promove a degradação continuada dos serviços públicos - poderá ter um desfecho traumático. O problema é que o presidente não parece achar que haja um problema aí. E os 'aliados' que cooptou para a sua base estão muito mais apressados para pegar seus bocados da pizza e ir comê-los escondido, do que em contribuir para a melhoria da qualidade da administração e da governança.