Título: 'Quando a esmola é demais, o santo desconfia'
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2007, Economia, p. B3

O investidor carioca Marcelo Botelho Lobo liquidou nos últimos dias todas as suas posições pessoais no mercado acionário brasileiro. Ele acha que já ganhou o suficiente na alta espetacular que levou o Ibovespa de 32.847 pontos, em junho de 2006, para o fechamento de 50.902 da última sexta-feira - uma subida de 55% em menos de um ano.

Mesmo considerando o outro pico recente, em 9 maio de 2006, quando o índice bateu 41.979 pontos, a alta é de 20%. ¿Eu já bati a minha meta e, quando a esmola é grande demais, o santo desconfia¿, diz Lobo, de 48 anos, que investe o seu dinheiro e o de familiares, a partir do escritório em cima do Café do Mercado, o restaurante que ele e sua mulher possuem no Centro do Rio.

Lobo tem diversas telas de computador na sua sala, com cotações e análises gráficas, e acaba de instalar mais três, para os clientes, no segundo andar que acrescentou ao restaurante recentemente, que vai inaugurar nos próximos dias. ¿Os ganhos na bolsa me ajudaram a investir na ampliação¿, ele explica. O custo da obra foi de aproximadamente R$ 200 mil.

A cautela de Lobo reflete o estado de espírito de diversos analistas ante a alta indomável da Bolsa. Fernando Exel, presidente da Economática do Brasil, empresa de informação financeira, observa que a relação entre preço e lucro - o chamado PL, que indica quantas vezes o preço da ação é maior que o lucro anual por ação da empresa - do Ibovespa atingiu 15 recentemente.

Ele acrescenta que, até 2006, a Bolsa estava subindo, mas o PL mantinha-se próximo a 10. ¿Do terceiro trimestre de 2006 em diante, os preços começaram a subir mais que os lucros, e o PL foi para 15¿, diz Exel (ver gráfico).

Para o analista, a alta do PL pode ter duas explicações, ou uma combinação das duas. A primeira é que a enorme queda do risco País nos últimos anos é percebida pelos mercado como definitiva. Essa segurança adicional faz com que os investidores fiquem dispostos a pagar mais por uma mesma expectativa de lucros futuros, o que se traduz num PL maior para as empresas.

A outra hipótese é que haja uma euforia injustificada nos fundamentos da economia e das empresas. ¿Isso significaria que estamos numa bolha e as ações vão cair fortemente¿, explica Exel. Ele pessoalmente considera que, de fato, o Brasil está muito menos vulnerável, mas acrescenta: ¿Não acho que a estabilidade seja tão permanente para justificar um salto do PL de 10 para 15¿.

O PL do mercado acionário brasileiro está convergindo para o americano. Pelos dados da Economática, o PL do Ibovespa era metade do americano (S&P 500) no fim de 2003 (11,9, ante 23,3) e hoje está em 74,5% (15,2 e 20,4). Mas o PL brasileiro ainda está atrás do mexicano, de 20,4, e do chileno, de 19,6.

OTIMISMO

Luiz Fernando Figueiredo, principal sócio da gestora de fundos Mauá Investimentos, e ex-diretor do Banco Central, nota que, ¿quando se fala em bolha, a gente pensa em movimentos que não guardam relação com a realidade, em castelos de cartas que caem¿. Ele discorda dessa visão e enxerga ¿um movimento muito saudável e positivo de crescimento homogêneo no mundo, com inflação baixa e aumento da prosperidade¿. Por outro lado, Figueiredo acha que pode haver exageros, como no caso da bolsa chinesa.

Fernanda Mello, sócia de Figueiredo, vê fatores concretos por trás da alta global das ações, como a subida do preço das commodities (às quais a bolsa brasileira está muito ligada), e, no caso americano, o fato de que os lucros das empresas no primeiro trimestre estão vindo muito acima da previsão dos analistas.

Patrick Conrad, analista de renda variável da Mauá, cita ainda a onda de anúncios ou tentativas de fusões e aquisições de gigantes globais, como nos casos da Alcoa e Alcan, Microsoft e Yahoo,e ABN e Barclays.

Para o economista-chefe da Gávea Investimentos, Edward Amadeo, a economia global está sendo beneficiada pelo aumento do comércio internacional e pela abertura e ampliação de países como os do Bric (Brasil, Rússia, China e Índia), ¿que aportam grande volume de trabalhadores, matérias-primas e consumidores, gerando aumentos de produtividade e crescimento econômico¿.

Para Amadeo, ¿a possibilidade de uma recessão destruir tudo o que se ganhou nos últimos cinco anos é próxima de zero¿. Mas ele também vê a hipótese de uma bolha na bolsa chinesa, que poderia estar sendo estimulada pela política cambial e de reservas. Ainda assim, Amadeo diz que ¿ninguém pode negar que as condições fundamentais da economia global são muito boas¿.

Já Alexandre Pavan Póvoa, diretor-executivo do Modal Asset Management, acha difícil falar em bolha de liquidez depois que a taxa básica americana subiu de 1% para os atuais 5,25%. ¿O que existe é que os países emergentes fizeram o dever de casa e a confiança do investidor global melhorou muito¿, ele observa.

Para Póvoa, a grande vulnerabilidade potencial da economia global hoje não está na China, mas nos próprios Estados Unidos. Ele nota que a alta dos juros está tendo um efeito maior de frear a atividade econômica do que de baixar a inflação. ¿Por conta disso, pode haver uma desaceleração mais rápida¿, ele conclui.