Título: Sindicatos por uma economia global
Autor: Meyerson, Harold
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2007, Espaço Aberto, p. A2

A imprensa econômica mal notou e os defensores usuais da globalização silenciaram, mas um anúncio na semana passada em Ottawa sinalizou uma nova e radical direção para a economia globalizada. O United Steelworkers - a respeitada criação de John L. Lewis e da política trabalhista do New Deal na era da Depressão - começou a negociar uma fusão com dois dos maiores sindicatos britânicos (que se fundirão um com o outro em maio) para criar o primeiro sindicato não só transatlântico, mas também o primeiro genuinamente multinacional.

As fusões de sindicatos não são nenhuma novidade, é claro, e, com o declínio do emprego na manufatura nos Estados Unidos, alguns sindicatos - o United Steelworkers, em particular - se expandiram para outros setores e atividades. Hoje, apenas 130 mil dos 850 mil membros desse sindicato estão empregados na siderurgia básica, enquanto os demais trabalham na fabricação de papel e borracha e numa série de setores de serviços. Os sindicatos britânicos seguem um caminho similar; dos dois sindicatos com os quais o United Steelworkers quer se fundir, o Amicus é um resultado multissetorial dos trabalhadores da indústria automobilística da Grã-Bretanha, enquanto o outro, o Transport and General Workers, se tornou há tempos o que seu nome indica.

Esses três sindicatos estão entre os maiores de seus países; confirmada a fusão, o quadro de associados terá, no total, cerca de 3 milhões de membros, o que faria deste o maior sindicato do mundo.

Mas o ponto aqui não é o número de membros, e sim a adaptação do trabalho à globalização do capital. A declaração de Ottawa inovou, mas a coordenação transnacional dos sindicatos avança há mais de uma década. O Communications Workers of America reúne-se há anos com sindicatos do setor de telecomunicações na Europa e em outros lugares para lidar melhor com empregadores em comum. Ao longo dos últimos dois anos, a União Internacional de Empregados de Serviços (SEIU, na sigla em inglês) ajudou a financiar e trabalhou com sindicatos de seguranças e zeladores em outras nações, enquanto a propriedade dos serviços imobiliários se fundia em um número cada vez menor de multinacionais.

Em novembro, o SEIU organizou 5,3 mil trabalhadores imigrantes que limpam os prédios de escritórios no centro de Houston - uma façanha admirável no coração do Sul dos Estados Unidos, tradicionalmente inimigo dos sindicatos. Stephen Lerner, chefe de estratégia da campanha Justiça para os Zeladores do SEIU, atribui o sucesso, em parte, aos mesmos processos de fusão e globalização que, em geral, provaram ser muito prejudiciais ao poder dos sindicatos. No ano passado, apenas cinco empreiteiros de serviços de limpeza - todos de escopo nacional ou global - empregavam a maioria dos zeladores da cidade e vários dos prédios de escritórios eram de propriedade de investidores globais. A emergente rede global de sindicatos do setor de serviços imobiliários promoveu manifestações em apoio aos zeladores de Houston no México, em Moscou, em Londres e em Berlim.

A rede de alianças estratégicas do United Steelworkers com sindicatos estrangeiros data do início dos anos 1990. À medida que a produção de aço se tornou um empreendimento global, o sindicato fez alianças com sindicatos de mineração e manufatura do Brasil, da África do Sul, da Austrália, do México, da Alemanha e da Grã-Bretanha. As alianças surgiram, em parte, porque esses sindicatos tinham empregadores em comum - a Alcoa, nos metais; a Bridgestone, nos pneus; e, agora, com o crescimento do United Steelworkers e do britânico Amicus para incluir os trabalhadores do setor de papel, também a Georgia Pacific e a International Paper. Os sindicatos compartilham pesquisas, discutem estratégias de negociação comuns e apóiam uns aos outros durante greves.

Mas o objetivo da fusão proposta é mais amplo. ¿Concluímos que a melhor maneira de combater a globalização financeira era combatê-la globalmente¿, diz Gerald Fernandez, diretor de assuntos internacionais e operações de negociação globais do United Steelworkers. ¿O estudo de uma fusão é o primeiro passo necessário para a construção de um sindicato ou federação global dos metalúrgicos, mineradores e trabalhadores em geral.¿

Ocorra ou não a fusão, o United Steelworkers e seus parceiros britânicos já se comprometeram a financiar operações de direitos humanos e direitos sindicais na Colômbia (perpétuo líder mundial em sindicalistas assassinados) e em partes da África. Eles planejam organizar uma campanha global para proteger os benefícios de aposentadoria dos empregados, atacados em um número crescente de países por financistas que vêem a segurança financeira dos trabalhadores como um artigo dispensável.

Durante anos, os defensores da globalização atacaram os sindicatos como um todo, e o United Steelworkers, em particular, por posições que consideravam protecionistas, provincianas e, em geral, retrógradas. Mas agora vemos que o sindicato é simplesmente tão internacionalista quanto eles. E, enquanto os sindicatos começam sua inevitável transformação em entidades globais, os líderes da torcida da globalização precisam se definir com mais clareza. Eles apóiam a globalização porque ela até agora deu vantagens aos investidores globais sobre sindicatos e governos meramente nacionais? Ou eles acreditam que o governo e os trabalhadores também deveriam se tornar globais, promovendo em escala internacional o tipo de economia mista que governos e sindicatos criaram nas décadas posteriores à 2ª Guerra Mundial - a única economia da História a produzir uma prosperidade amplamente compartilhada? Em outras palavras, eles realmente defendem a globalização ou apenas o retorno do mundo do laissez-faire, do enriquecer dos ricos, que existia antes do New Deal? A questão, agora que o United Steelworkers e seus parceiros britânicos lançaram o desafio, é tudo, menos acadêmica.