Título: `Revolução Cultural¿ de Mao quase acabou com país
Autor: Mafra, Claudio
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2007, Internacional, p. A16

Quando passa por mim um homem de uns 50 anos, a Revolução Cultural me vem à cabeça. Fico imaginando se ele bateu ou apanhou, torturou ou foi torturado, matou ou não. A Revolução Cultural teve início em 1966. Tudo começou quando Mao percebeu que estava perdendo o controle do poder. A razão era simples. Ele havia matado de fome 30 milhões de chineses com seu programa econômico chamado ¿O Grande Salto Para a Frente¿ (1958). Mao queria dobrar a produção de aço da China em um ano. Ele ordenou aos chineses que fizessem pequenos fornos nos fundos dos quintais de suas casas e derretessem panelas, garfos, colheres. Num ritmo frenético, após acabar com toda a madeira disponível, os camponeses passaram a usar a mobília para alimentar os fornos. O resultado eram umas bolotas de alguma coisa indefinida, chamada de aço. Na agricultura, ele criou as comunas populares e desmantelou o sistema produtivo.

Aproveitando o monumental fracasso do plano louco, os inimigos de Mao começaram a questionar a competência do Grande Timoneiro. Então, ele usou seu carisma e convocou dezenas de milhões de estudantes. Disse-lhes que ser revolucionário era acabar com o passado. Oficialmente, a ordem era atacar os Quatro Velhos: velhos costumes, velhos hábitos, velha cultura e velhos pensamentos. Na prática, Mao disse que tudo o que fizessem estaria correto.

De repente, o monopólio da razão passava para a juventude escolar do nível secundário. É fácil imaginar os jovens chineses, nascidos em meio a ódios, medo e submissão, recebendo carta branca do deus vivo. Nos dois primeiros anos, quase acabaram com o país. Surraram, torturaram e mataram seus professores. Caçaram os intelectuais, os artistas, acabaram com as escolas, queimaram bibliotecas, destruíram velhos prédios, templos e obras de arte. O Exército foi obrigado a defender os dois maiores monumentos nacionais, a Cidade Proibida e a Grande Muralha.

Quando a situação ficou além do imaginável, com o risco de o país desmoronar, o Grande Timoneiro já havia alcançado seu objetivo e encontrava-se na posição de dono absoluto do poder. Assim, decidiu chamar o Exército para que impusesse a ordem e despachou seus milhões de adoradores para o interior do país, colocando-os nos célebres programas de ¿reeducação¿. Oficialmente, a Revolução Cultural acabou com a morte de Mao, em 1976.