Título: 'Se o governo quiser aumentar imposto, terá de fazer escondido'
Autor: Racy, Sonia
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2007, Economia, p. B10

Os políticos brasileiros já perceberam que não dá mais para aumentar impostos para cobrir buracos na administração. Falta perceber ainda que, para obter mais dinheiro, é preciso investir nas ferramentas de gestão. Esta é a avaliação de Jorge Gerdau, hoje reconhecido como um dos maiores empresários do Brasil. ¿O político descobriu que não tem mais como aumentar os impostos. (...) Se o governo quiser aumentar imposto agora, vai ter de fazer isso de uma forma muito escondida.¿

Segundo Gerdau, o empresariado também tem sua parcela de culpa: o setor ainda não conseguiu ¿vender¿ a idéia de que uma melhor gestão de recursos do Estado traz benefícios, entre eles, mais dinheiro para o Estado gastar e, conseqüentemente, mais votos. Com isso, o Brasil abriu um buraco enorme entre o aumento da população e do emprego nos últimos dez anos. E para restabelecer o equilíbrio, precisa crescer de 5% a 6% ao ano. A receita: gerir melhor os recursos públicos e aumentar e muito a poupança.

Com essa filosofia, Gerdau - que recentemente saiu do dia-a-dia do Grupo Gerdau, assumindo a presidência do conselho de administração - tem rodado o Brasil empunhando a bandeira da gestão. Em entrevista ao Estado, durante o Fórum de Comandatuba, realizado semana passada, o empresário mostrou convicção de que o momento é este, quando não há mais espaço político para qualquer aumento de imposto.

A seguir os principais trechos da sua entrevista de quase três horas:

Ouvimos, há 20 anos, que o Brasil precisa crescer. Sabemos por que não crescemos. O que emperra o processo?

O problema é que a visão dos entraves, rumo a um crescimento maior do País, é basicamente técnica. Mas todo conceito exige que as correções técnicas tenham absorção política. Esta é uma tarefa muito complexa. Eu diria o seguinte: as visões técnicas que os empresários e a academia têm sobre soluções para o problema do crescimento do Brasil têm de ser vendidas politicamente. Se as coisas não andam, é porque não houve ainda competência de vender, politicamente, soluções e idéias técnicas.

O que os políticos precisam compreender melhor?

Que precisamos poupar mais. Nós, da Ação Empresarial, temos trabalhado intensamente nessa discussão. Comparando Brasil com China, Índia e outros países, chegamos à conclusão de que a diferença é enorme. Desdobramos o processo da poupança e percebemos que o setor privado, que tem 60% do PIB, é responsável pelo total poupado. Os outros 40% do PIB estão na área governamental, municipal, estadual e federal onde a poupança é zero. Não temos condições de ter um crescimento sustentável desse jeito.

Como deveria ser a equação?

Em números arredondados, o Brasil poupa pouco mais de 20% do PIB e o investimento, conseqüentemente, anda na casa dos 17% ou 18%. Está acontecendo o mesmo com o México, que poupa 20% e tem 19% de investimentos. Na Índia, a poupança é crescente. Está em 25%, o que gera 24% do PIB em investimentos. Na China, a poupança é de 41,1% do PIB, o investimento é de quanto? 36% do PIB. Claro que cada país tem suas peculiaridades. Eu diria que a China tem crescimento absurdamente elevado, com um preço político que não nos serve: um regime ditatorial. Mas temos de poupar mais.

E o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)?

Ele é peça-chave, fruto da sensibilidade política do presidente Lula. O PAC está conseguindo um rompimento psicológico. O crescimento se incorporou na vontade popular e na vontade política do País. Vou dizer o seguinte: se o PAC não atender bem a expectativa de crescimento, vai sair um segundo PAC. A Nação não aceita mais ficar no ritmo do crescimento histórico.

Precisamos crescer quanto?

O Brasil precisa gerar mais 5% a 6% postos de trabalho por ano. Por quê? Porque a população cresceu nos últimos dez anos uma média de 3%. A produtividade, nesse mesmo período, algo como 2,4% anual. Portanto, se crescermos 5% a 6%, nós simplesmente estaremos restabelecendo o equilíbrio entre a necessidade de emprego. Abrimos uma cova nestes anos. Por trás disso, está o aumento da criminalidade e dos excluídos. Temos dois caminhos para sair desse buraco: reformas e gestão. Nenhum deles sozinhos resolve tudo, mas é mais que meio caminho andado. E nós, do setor privado, também temos de resolver um outro gap, o do câmbio. Ou nos adaptamos ou morremos.

Por que é tão difícil transferir experiência de gestão privada de sucesso para a gestão pública?

Na iniciativa privada, existem fatores naturais de estímulo na busca da eficiência e produtividade. São os mecanismos do mercado privado onde o sucesso é premiado de diversas maneiras. No setor público, isso não acontece. E nenhuma repartição pública morre se fracassar, diferentemente do que acontece com as empresas. Isso estimula a incompetência. Estados modernos já implantaram uma inovação gerencial criando mecanismos de governança, onde se premia sim e onde existem carreiras flexíveis. No Brasil, no entanto, criamos uma legislação muito burocrática, que não valoriza o servidor público. Essa profissão é extremamente importante, tem de ser respeitada e valorizada.

O Estado escolhe bem os ocupantes de cargos públicos?

O sistema político brasileiro estabeleceu um sistema de apadrinhados políticos de forma que eles assumam funções gerenciais. Se você mistura condução política com condução gerencial, ela não funciona. A atividade gerencial administrativa deveria ser exclusivamente profissional. Agora, os políticos disputam lugares na montagem de governos e depois levam consigo dezenas ou centenas de pessoas para ocupar cargos gerenciais. Em um país moderno, ainda há disputa por cargos, mas são cargos de condução política. Não se muda estruturas profissionais e gerenciais. A estrutura de governança é hoje uma ciência mundial, discutida nas grandes universidades. Hoje o Brasil trabalha como se fôssemos um pequeno município. Fazer política não quer dizer executá-la. Definições políticas são governança no nível 1; a execução tem de estar na mão de profissionais.

Como fazer para isso ficar claro e avançarmos?

Eu, pessoalmente, com o apoio de alguns amigos empresários, tenho trabalhado muito para convencer os governos a buscar apoio de profissionais, como nós, empresários, já fizemos. Estamos fazendo isso por meio do Movimento Brasil Competitivo, que trata de tecnologias de gestão e qualidade total. Nesse movimento, temos procurado levar consultorias e assessorias a apoiar os governos. Algumas prefeituras e Estados já tiveram sucesso nesse processo, que é uma caminhada longa. Nas empresas, esse processo é interminável e leva dezenas de anos. O conceito de produtividade e eficiência tem de atingir o setor público.

A Prefeitura de São Paulo e o governo de Minas são exemplos muito palpáveis nesse sentido, que tiveram apoio gerencial do professor Vicente Falconi, do INDG, por meio do Movimento Brasil Competitivo. Conte um pouco a respeito.

São dois casos interessantes. Quando o governador Aécio Neves assumiu, encontrou um déficit ao redor de R$ 2 bilhões. Hoje, Minas tem superávit de R$ 1 bilhão. Mas não são só os grandes. A prefeitura da cidade de Toropi, no Rio Grande do Sul, arrecadava R$ 5,2 milhões por ano. Com um gasto anual de R$ 10 mil, passou a arrecadar R$ 690 mil a mais no mesmo ano do contrato. Se houvesse uma melhoria pelo Brasil, tenho certeza que sobraria algo como 10% a 20% do Orçamento total do País. Agora, para fazer isso é preciso duas coisas que a gente só aprende com a vida. Ser permanentemente humilde para aprender e ter disciplina para fazer. E, olha, são os dois requisitos mais complicados.

Nas próximas eleições, o eleitor vai votar no bom gestor?

É difícil o povo entender já o processo de gestão. Mas quando eles conseguirem perceber no dia-a-dia que uma boa gestão faz diferença, vão prestar atenção. Na Santa Casa de Porto Alegre, havia espera média de dez horas. Hoje são 15 minutos. Desdobramos a fila por assunto, usamos estatísticas, avaliamos e buscamos soluções. Há 12 anos, ela estava quebrada. Hoje, construiu três novos hospitais e tem superávit de caixa. Isso se chama gestão, gestão, gestão. Isso vale para o terceiro setor, para setor público e privado. Vale para a Previdência. Eu concordo com o ministro Guido Mantega, que disse que nós descobrimos a América. Descobrimos mesmo.

Levamos muitos anos para nos conscientizarmos que a inflação faz mal, quanto tempo vamos levar para saber que a atual gestão fiscal também faz mal? Melhor gestão trará mais votos aos políticos?

O político descobriu que não tem mais como aumentar os impostos. Só há uma solução para arrumar mais dinheiro: por meio da gestão. Então, há uma mudança. Noto isso claramente discutindo esse tema pelo Brasil. Os governantes com menos recursos têm essa percepção mais rapidamente. O governo federal, como tem mais dinheiro solto, ainda não chegou lá, mas vai chegar. Ele acabou derrotado quando quis atingir o bolso da classe média, das profissões liberais, teve de retirar o projeto de lei . Se o governo quiser aumentar imposto agora, vai ter de fazer isso de uma forma muito escondida. Portanto, o limite do caixa acelerará o processo do ajuste.

A União vai precisar quebrar para aprender a gerir bem?

Na vida existem duas maneiras de se aprender: pela força ou por meio da inteligência. Como o tema gerencial é evidente no mundo, devemos escolher o caminho da inteligência. Por exemplo: querer simplesmente extinguir a CPMF não é inteligente, pois o Estado, agora, não pode abrir mão dos recursos. Perpetuá-la, por outro lado, seria uma barbaridade. O Congresso deveria é estabelecer um processo de redução gradativa até a CPMF desaparecer. Seria uma decisão política de pressionar o sistema de redução de custos e seria uma solução tecnicamente possível. Prorrogar a CPMF por dez anos não é educativo, mas reduzi-la, por exemplo, 10% a cada ano, sim.

Por que o sr. não aceita trabalhar em governos?

Não vou para a vida pública porque estou convicto que minha profissão é ser empresário, que é o agente social mais importante no mundo. É ele que gera riqueza. Ele cria produto, serviço, busca dinheiro, se endivida, vende seu patrimônio, toma dinheiro dos amigos e dos bancos, treina e capacita gente e ainda paga imposto e emprega. Não desmereço os políticos, que têm um papel tão importante quanto. Mas você tem de ter vocação. Dentro de um governo, você tem chefe, tem burocracia. Estou feliz onde estou.

Quem é: Jorge Gerdau

Desde 1983, preside o Grupo Gerdau, maior produtor de aço do continente americano, com uma capacidade instalada de 21,6 milhões de toneladas de aço anuais.

Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1961.

É líder da Associação Qualidade RS e coordenador-geral da Ação Empresarial Brasileira.

DIFERENÇAS: ¿Repartição pública não morre se fracassa, ao contrário do que acontece com as empresas¿

INSISTÊNCIA: ¿Se esse PAC não atender suficientemente bem à expectativa de crescimento, vai sair um segundo PAC¿

SOLUÇÃO: ¿Temos dois caminhos para sair do buraco: reformas e gestão. Nenhum deles, sozinho, resolve tudo¿.