Título: Concessões públicas viraram patrimônio
Autor: Sant¿Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2007, Economia, p. B13

A 1ª Vara Empresarial do Rio incluiu no patrimônio da Nova Varig, ou VRG, todos os vôos (hotrans) e permissões de uso de instalações dos aeroportos (slots) da velha Varig. Na verdade, sem essas concessões, praticamente não havia o que vender da Varig: restavam sua marca, alguns imóveis e dois aviões velhos (os outros 59 eram alugados).

Mas os hotrans e slots são concessões da União, reguladas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e, pelas regras, são retirados das companhias quando elas deixam de usá-los por 30 dias, no caso de vôos domésticos, e 180, nos internacionais. À medida que foi devolvendo seus aviões às empresas de leasing, a Varig deixou de operar esses vôos, num ciclo vicioso de perda de receita.

A partir da recuperação judicial, a Vara Empresarial impediu a Anac de redistribuir as concessões. A agência entrou, em 18 de dezembro, com mandado de segurança no Tribunal Regional Federal do Rio, argumentando que a VRG não está sob recuperação judicial, tem permissão para voar desde o dia 15 daquele mês, e concessões da União não são da alçada da Justiça estadual. O caso não foi julgado ainda, nem sequer liminarmente.

Especialistas em direito público afirmam que a Justiça não poderia ter tratado os hotrans e slots como ativos da empresa. ¿Houve um grande equívoco¿, avalia Floriano Peixoto de Azevedo Marques. ¿O serviço público (rotas) e os bens públicos (slots, hangares, posições aeroportuárias, etc) são bens de titularidade da União¿, diz ele. ¿Como tais, não podem ser considerados bens integrantes do patrimônio das empresas concessionárias.¿

Essa é também a opinião do especialista Carlos Ari Sundfeld. ¿Quem é competente para decretar a caducidade de uma concessão é o órgão regulador, que define critérios e prazos, não a Justiça¿, diz ele. ¿Reconhecer que a recuperação judicial cria uma espécie de moratória quanto ao cumprimento das condições de concessão é inaceitável, porque coloca em risco o próprio serviço. Se não, todas as empresas que tiverem problemas recorrerão a isso e ficaremos sem o serviço.¿

Dos 125 slots que herdou da Varig em Congonhas, a VRG tem conseguido operar 100. Os outros 25 estão protegidos pela Justiça. Além disso, a VRG não faz 49 vôos internacionais a que tem direito por semana, para a França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha, México e Portugal (um por dia para cada país). As concorrentes apontam um prejuízo para os passageiros - que têm menos opções de voar -, para elas próprias e para o País, que perde em divisas, já que as companhias estrangeiras ocuparam esse espaço.

O juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1.ª Vara Empresarial do Rio, nega esse prejuízo. Ele afirma que consultou especialistas, incluindo o próprio Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias, que lhe disseram que as empresas para as quais fossem redistribuídas as concessões de vôos também levariam meses para operá-los, no Brasil e no exterior. ¿A Varig levou 70 anos para ter sua estrutura¿, argumenta Ayoub. ¿Onde estão as bases das outras empresas no exterior? Simplesmente entregar as rotas para elas não significaria a retomada imediata dos vôos.¿

¿Se as concessões não usadas pela VRG não forem retiradas dela no dia 18 de junho¿, diz o executivo de uma concorrente, referindo-se ao prazo de 180 dias desde a obtenção do certificado para voar, ¿vamos entrar na Justiça.¿ O secretário-geral da Anac, o procurador Henrique Gabriel, garante que a agência vai redistribuir as freqüências não usadas, transcorridos seis meses: ¿A regra tem de ser cumprida, se não, vira autoritarismo ou bagunça.¿