Título: Deboche à Nação
Autor: Chaves, Mauro
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/2007, Espaço Aberto, p. A2
¿Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos.
Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente. As provas acumuladas de seu envolvimento em crimes de responsabilidade podem ainda não bastar para assegurar sua condenação em juízo. Já são, porém, mais do que suficientes para atender ao critério constitucional do impedimento. Desde o primeiro dia de seu mandato o presidente desrespeitou as instituições republicanas. Imiscuiu-se, e deixou que seus mais próximos se imiscuíssem, em disputas e negócios privados. E comandou, com um olho fechado e outro aberto, um aparato político que trocou dinheiro por poder e poder por dinheiro e que depois tentou comprar, com a liberação de recursos orçamentários, apoio para interromper a investigação de seus abusos.
Afirmo que a aproximação do fim de seu mandato não é motivo para deixar de declarar o impedimento do presidente, dada a gravidade dos crimes de responsabilidade que ele cometeu e o perigo de que a repetição desses crimes contamine a eleição vindoura. Quem diz que só aos eleitores cabe julgar não compreende as premissas do presidencialismo e não leva a Constituição a sério.
Afirmo que descumpririam seu juramento constitucional e demonstrariam deslealdade para com a República os mandatários que, em nome de lealdade ao presidente, deixassem de exigir seu impedimento. No regime republicano a lealdade às leis se sobrepõe à lealdade aos homens.
Afirmo que o governo Lula fraudou a vontade dos brasileiros ao radicalizar o projeto que foi eleito para substituir, ameaçando a democracia com o veneno do cinismo. Ao transformar o Brasil no país continental em desenvolvimento que menos cresce, esse projeto impôs mediocridade aos que querem pujança.
Afirmo que o presidente, avesso ao trabalho e ao estudo, desatento aos negócios do Estado, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua própria ignorância, mostrou-se inapto para o cargo sagrado que o povo brasileiro lhe confiou.
Afirmo que a oposição praticada pelo PSDB é impostura. Acumpliciados nos mesmos crimes e aderentes ao mesmo projeto, o PT e o PSDB são hoje as duas cabeças do mesmo monstro que sufoca o Brasil. As duas cabeças precisam ser esmagadas juntas.
Afirmo que as bases sociais do governo Lula são os rentistas, a quem se transferem os recursos pilhados do trabalho e da produção, e os desesperados, de quem se aproveitam, cruelmente, a subjugação econômica e a desinformação política. E que seu inimigo principal são as classes médias, de cuja capacidade para esclarecer a massa popular depende, mais do que nunca, o futuro da República.
Afirmo que a repetição perseverante dessas verdades em todo o País acabará por acender, nos corações dos brasileiros, uma chama que reduzirá a cinzas um sistema que hoje se julga intocável e perpétuo.
Afirmo que, nesse 15 de novembro, o dever de todos os cidadãos é negar o direito de presidir as comemorações da proclamação da República aos que corromperam e esvaziaram as instituições republicanas.¿
Transcrevi, literalmente, esse artigo de Roberto Mangabeira Unger, publicado na Folha de S.Paulo, em 15 de novembro de 2005, porque estou perplexo com a fraquíssima reação da imprensa a um dos maiores deboches já feitos à Nação. Por mais inacreditável que pareça, o mesmo cidadão que escreveu esse artigo absolutamente arrasador, que não deixa pedra sobre pedra no governo Lula e na reputação pessoal do presidente da República, aceita tornar-se seu ministro, menos de um ano e meio depois. É claro que não surpreende o fato de Lula o ter nomeado - pois Lula não lê nem seus assessores lhe contam o que leram. O inacreditável é um ilustre professor titular de Direito da Universidade de Harvard trair tão acintosamente seu próprio pensamento, pela ambição de exercer, pela primeira vez na vida, um cargo ministerial. Eis, para as atuais e futuras gerações, uma demonstração de que a ambição pelo poder pode levar à degradação ético-intelectual até os melhores cérebros.
Por mais que se tenha visto incoerências gritantes de políticos, indecentes troca-trocas partidários, alianças de hoje com inimigos de ontem, juramentos descumpridos ou ¿esqueçam o que escrevi¿, tudo tem limite. E Mangabeira Unger ultrapassou, da maneira mais acachapante, esse limite. Cometeu verdadeiro ultraje a todos os que usam o papel de imprensa para externar seus pensamentos. E liquidou de vez com o valor da convicção. É como se Cícero aceitasse um emprego de Catilina, Churchill se tornasse um plenipotenciário de Hitler ou Lacerda cumprisse missão ofertada por Getúlio. Ou seja, as piores palavras de afronta gerando a mais nauseante adesão.
Dá para imaginar que argumentos filosóficos, sociológicos, jurídicos ou econômicos o erudito e criativo pensador baiano-americano usará para justificar sua diametral mudança de opinião política em menos de um ano e meio? Como dará resposta a essa questão, sem o que nada do que disser valerá absolutamente coisa alguma? E a propósito, de que valerão no Brasil quaisquer opiniões sobre quem ou o que seja, se ninguém está ¿nem aí¿ com as reviravoltas obscenas de pensamento, em razão da adesão ao Poder?
Só é certo, enfim, que a Sedealopra (Secretaria De Ações de Longo Prazo) decorre de uma sede aloprada ao Poder.