Título: Lentidão dá força de lei a liminares
Autor: Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/2007, Nacional, p. A12

Apesar de ter nascido exatamente para evitar que a demora no andamento de um processo judicial prejudique as partes envolvidas, o instrumento oferecido pela concessão de liminares acabou dando origem a outro problema no Judiciário. Por causa principalmente da morosidade do sistema, mas também de desvio de conduta de parte dos magistrados, muitas dessas decisões provisórias têm vigorado por anos, e até mesmo décadas, sem que o mérito da ação seja julgado.

A Operação Hurricane realizada pela Polícia Federal trouxe à tona um dos exemplos dessa lentidão, já que desde 2004 os bingos operavam com base em liminares. Mesmo que a maioria dos casos não seja marcada pela suspeita de venda de sentenças, como ocorreu no caso dos bingos, a situação se repete em todas as áreas, segundo advogados e representantes do Judiciário.

¿É um problema que resulta tanto da sobrecarga do Judiciário quanto de desvios de conduta¿, diz o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e primeiro corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Antônio de Pádua Ribeiro. Ele acrescenta que a falta de parcimônia de alguns juízes na uso de liminares contribui para agravar esse quadro. ¿Medidas de urgência são como veneno. Na dose certa, podem curar. Mas, na quantidade errada, o resultado pode ser a morte¿, afirma.

Na avaliação do ex-ministro da Justiça Célio Borja, ocorreu nos últimos anos uma descaracterização do mecanismo das liminares. ¿Os processos com pedidos de liminar viraram praticamente rotina. O número é tão grande que simplesmente não dá tempo de julgar em um tempo razoável o mérito da razão¿, conta o ex-ministro.

Diante desse quadro, diversos setores do Poder Judiciário começam a adotar um discurso em favor de um maior controle no uso dessa ferramenta. Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, o Brasil precisa buscar rapidamente um meio de aperfeiçoar o uso de liminares, se quiser se livrar do risco de ocorrerem ¿prejuízos à Justiça¿. Ele cita como exemplo os processos que foram ajuizados contra as privatizações conduzidas no governo Fernando Henrique Cardoso. ¿Demorou-se tanto para julgar que, quando isso ocorreu, as privatizações já estavam totalmente consolidadas. A partir daí, a regressão nas decisões liminares seria muito mais prejudicial.¿

Ainda assim, o abarrotamento do Judiciário exerce um papel central nesse quadro, segundo o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo Ronnie Herbert de Barros Soares. No TJ paulista, 16 milhões de processos aguardam julgamento em primeira instância, nas mesas de apenas 2 mil juízes. ¿Há uma desproporção enorme.¿

ESFORÇO

Para amenizar o problema, Pádua Ribeiro diz que o Judiciário tem adotado medidas para agilizar processos e assegurar um maior controle da atuação dos magistrados. Está em andamento, por exemplo, um esquema de integração de corregedorias de todos os tribunais do País, além da informatização de dados processuais.

Mas, para o ex-ministro Célio Borja, é preciso ir além. ¿A única solução possível seria transformar a liminar em medida de caráter excepcionalíssimo. Esta era a idéia inicial.¿

FRASES

Antônio de Pádua Ribeiro Ministro do STJ

É um problema que resulta tanto da sobrecarga do Judiciário quanto de desvios de conduta. Medidas de urgência são como veneno. Na dose certa, podem curar. Mas, na quantidade errada, o resultado pode ser a morte¿

Célio Borja Ex-ministro da Justiça

¿Os processos com pedidos de liminar viraram praticamente rotina. O número é tão grande que não dá tempo de julgar em um tempo razoável o mérito¿.