Título: Cientistas escondem pessimismo
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2007, Vida&, p. A14

Por mais preocupantes que as previsões oficiais do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) possam parecer, as verdadeiras expectativas dos cientistas sobre as conseqüências do aquecimento global podem ser ainda piores. ¿A maioria dos cientistas que conheço é mais pessimista do que gosta de admitir em público¿, afirma John Holdren, diretor do Programa de Ciência, Tecnologia e Políticas Públicas da Universidade de Harvard e ex-presidente da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS).

Ele diz que pesquisadores costumam ser cautelosos com o que dizem, para não parecerem demasiadamente alarmistas. A idéia é mostrar claramente a seriedade do problema, mas sem causar falsa impressão de exagero nem assustar as pessoas de tal maneira que elas se sintam impotentes para fazer algo a respeito.

Um dos maiores especialistas do mundo em mudanças climáticas, porém, Holdren não se inibiu ao falar sobre o assunto em encontro na John F. Kennedy School of Government de Harvard, no fim de semana - um dia após a divulgação do terceiro relatório do IPCC. Para ele, a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera já ultrapassou o limite do ¿perigoso¿, como diz a terminologia do Protocolo de Kyoto, e está se aproximando do ¿catastrófico¿.

¿Estamos dirigindo um carro na neblina, com freios ruins, em direção a um abismo¿, disse. ¿Não tenho certeza de que vamos conseguir frear antes de cair.¿ O carro, segundo a analogia, representa as emissões humanas de dióxido de carbono e outros gases do efeito estufa, que se acumulam na atmosfera e fazem a temperatura do planeta subir. A neblina e os freios defeituosos referem-se às inúmeras incertezas - climáticas, políticas e econômicas - que dificultam a compreensão do problema e nossa capacidade de reagir a ele. O abismo seria o chamado ¿ponto sem volta¿, a partir do qual as emissões de gases e o aquecimento que eles causam formarão um círculo vicioso (mais aquecimento causando mais emissões e assim por diante), que dificilmente poderá ser interrompido.

Entre as principais ameaças estão o derretimento da tundra, no norte da Rússia, e das geleiras da Groenlândia e da Antártida Ocidental. A primeira contém o equivalente em carbono a 80 anos de emissões por combustíveis fósseis armazenado em seu solo congelado, enquanto o desaparecimento das duas geleiras elevaria o nível global dos oceanos em até 12 metros.

Apesar do consenso entre os cientistas de que atividades humanas são a causa do problema, principalmente queima de combustíveis fósseis e desmatamento de florestas, ninguém ainda sabe dizer onde fica o tal ¿ponto sem volta¿. Ou seja, quão distantes estamos do abismo.

¿Há muitos pontos sem volta. Não sabemos exatamente onde eles estão, mas acho que qualquer sociedade prudente concordaria que é preciso começar a pisar no freio¿, afirmou Holdren. Os relatórios do IPCC, segundo ele, retratam o melhor conhecimento científico disponível, mas ainda estão longe de pintar um quadro completo da situação. Há muitas incertezas climáticas e políticas que tornam difícil prever como o clima do planeta vai reagir às influências humanas nas próximas décadas, e vice-versa.

Ainda assim, palestrantes no encontro, intitulado A Crise Eminente - Podemos Agir a Tempo?, mostraram-se otimistas com relação ao aumento da conscientização pública e política nos Estados Unidos. Apesar da discordância do presidente George W. Bush, muitos Estados e, principalmente, empresas começaram a agir. ¿O maior sinal é que as empresas estão mudando¿, disse o diretor do Centro para o Meio Ambiente de Harvard, Dan Schrag.

As razões podem ser tanto ambientais quanto econômicas. Vários palestrantes, incluindo o ex-presidente americano Bill Clinton, chamaram atenção para as oportunidades de negócios e criação de empregos que podem ser desenvolvidas dentro de uma estratégia de combate ao aquecimento global. Por exemplo, com o desenvolvimento de indústrias relacionadas à produção de energia solar, captação de CO2, e até mesmo na construção civil, para combater os efeitos de furacões e da elevação do nível do mar.

¿Estou otimista de que vamos resolver esse problema¿, disse Schrag. Segundo ele, quando a situação ficar realmente ¿assustadora¿, as pessoas começarão a agir. ¿A pergunta é: será que já vai ser tarde demais?¿.

O IPCC

Responsabilidade: A primeira parte do relatório, divulgada em fevereiro deste ano, conclui que o homem é responsável pelo efeito estufa e prevê conseqüências rápidas e violentas

Conseqüências : A previsão de aumento de 1,8 a 4°C na temperatura até 2100 pode provocar a extinção de espécies e a redução dos ecossistemas; além de agravar a fome e a sede que podem atingir 1 bilhão de pessoas, de acordo com a segunda parte do relatório divulgada em abril

Alternativas : Apesar do quadro catastrófico, a terceira parte do relatório, divulgada este mês, revela que combater as conseqüências do aquecimento é possível e tem um custo: 3% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial até 2030, ou apenas 0,1% a 0,2% por ano.