Título: Aproveitando e perdendo a oportunidade
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2007, Economia, p. B2

Trata-se de uma notável combinação: a boa forma da economia mundial coincidindo com o momento em que a estabilidade macroeconômica se consolida no Brasil. Essa estabilidade, de sua vez, é fruto da persistência da política econômica aplicada desde o lançamento do Real, em 1994. O País está, portanto, no 13º ano seguido de construção dessa política, baseada no tripé clássico: 1) metas de inflação com Banco Central independente; 2) superávit primário nas contas públicas para pagar juros e reduzir o endividamento do governo; 3) câmbio flutuante.

Políticas econômicas bem-sucedidas são assim: uma paciente construção que demora para mostrar resultados. Mas, em um dado momento, quando fica clara a direção, os efeitos positivos se acumulam rapidamente. É o que acontece: inflação baixa com juros em queda; expectativa de estabilidade; reservas externas elevadas, US$ 123 bilhões, garantindo os pagamentos externos por muitos anos; risco Brasil em queda, dada a certeza de que não haverá crise no balanço de pagamentos; crédito em expansão, com prazos mais longos e prestações fixas, inclusive para a compra da casa própria; investimentos no capital das empresas; ganhos de renda por causa da inflação baixa; queda de preços em produtos importantes para o bem-estar das pessoas por causa do dólar barato; e assim vai, com os frutos da estabilidade.

Sem querer provocar, mas em nome da verdade histórica, convém registrar: a maior parte dos bons resultados atuais decorre da paciente aplicação de uma política tão bem-sucedida quanto atacada, a chamada neoliberal.

Exemplos? Alguns dos setores mais dinâmicos e responsáveis pelo crescimento vêm da privatização: telecomunicações, claro, mas também o amplo campo da siderurgia e mineração. Também as melhores estradas e os portos mais eficientes (ou partes dos portos) resultam de privatização e concessões. Na área de energia, a parte que funciona melhor, com mais investimentos e modernização, é a distribuição, justamente a que é predominantemente privada.

A crucial estabilidade monetária decorre também de fatores como as reformas da Previdência (ainda que parciais) e do funcionamento do setor público, com a introdução da prática do superávit primário e do controle do endividamento do governo.

O setor exportador mais dinâmico, e que gera mais empregos formais no campo, é o agronegócio, resultado não da duvidosa reforma agrária, mas da introdução do capitalismo nas fazendas.

Resumindo, no Brasil e no mundo há uma convicção de que o País, finalmente, caminha para o crescimento com estabilidade. Por isso, chegam os investimentos estrangeiros para setores tão diversos, como no etanol e na indústria de fundos de investimentos. Há capitais estrangeiros querendo comprar empresas, total ou parcialmente, assim como companhias interessadas no nascimento do mercado de crédito imobiliário.

Mesmo que não seja um crescimento à chinesa, como não é, trata-se de crescimento mais do que razoável para o tamanho da economia brasileira. É até fácil crescer na faixa dos 4,5% ao ano, o que está bom para as circunstâncias e é suficiente para gerar bons negócios.

Por isso, a Bolsa de Valores bate recordes seguidos e o dólar cai. É a abundância na entrada de dólares na economia local, resultado da estabilidade e da expectativa positiva.

Mas isso mostra também o lado desanimador da história: no mundo, sobra dinheiro e há forte disposição para investimentos; no Brasil, empresas privadas têm dinheiro e competência para novos negócios. E, em vez de abrir espaço e dar segurança ao investimento privado, o que temos aqui é um ambiente hostil, no macro e no micro.

No macro: carga tributária alta, juros ainda elevados, necessidade de emprestar dinheiro para o governo pagar suas dívidas e um setor público que toma e gasta 40% do PIB nacional, mas investe menos de 1,5% em infra-estrutura.

No micro: dificuldades para abrir empresas e obter as licenças (inclusive ambientais) para colocar o negócio em funcionamento; legislação trabalhista que leva as empresas a tentarem tudo antes de contratar; desconfiança de amplos setores do governo em relação às empresas privadas; Judiciário lento e também anticapitalista. E por aí vai.

Resumo da ópera: do jeito que está, o País cresce razoavelmente, mas se o presidente Lula conseguisse destravar seu próprio governo e abrir espaço e dar segurança para os investimentos privados, o Brasil simplesmente decolaria.

E Lula, que tanto aprecia essas comparações, se tornaria o maior presidente desenvolvimentista da história moderna. Ultrapassaria até seu ídolo, Juscelino Kubitschek, por uma diferença essencial: Lula é o primeiro presidente da era moderna a governar um Brasil com sólida estabilidade macroeconômica.

Ao contrário de JK, que deixou inflação, contas externas vulneráveis e contas públicas descontroladas, Lula pode enveredar por um período de expansão consistente. Mas não com esse PAC travado pelo próprio governo. Precisa de um surto de investimentos privados, inclusive com privatizações e concessões de estradas, portos, ferrovias, hidrelétricas e até aeroportos.

Como Lula tem se rendido ao seu pessoal que aceita, por inevitável, mas faz de tudo para estragar o capitalismo, estamos ao mesmo tempo aproveitando e perdendo uma rara oportunidade histórica.