Título: A ameaça ao Ipea
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/05/2007, Notas e Informações, p. A3

Depois de ter aparelhado e quase destruído a Embrapa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dispõe a intervir em mais um dos poucos centros de excelência que restam no governo federal, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A idéia desastrada, agora, é subordinar um dos mais importantes centros de estudos econômicos do País à Secretaria de Ações de Longo Prazo, criada para o novo auxiliar do presidente da República e ex-defensor de seu impeachment, o professor de Harvard Roberto Mangabeira Unger. Há fortes motivos para as preocupações demonstradas por técnicos da instituição, criada em maio de 1966 e nunca sujeita, em seus 41 anos de história, a interferências político-partidárias e tentativas de controle ideológico.

Convidado para comandar a nova Secretaria, com status de ministro, o professor Mangabeira Unger pediu o controle do Ipea, hoje vinculado ao Ministério do Planejamento, e foi atendido. A facilidade com que o presidente Lula acedeu à exigência do futuro secretário bastaria para justificar qualquer inquietação. Foi um sinal de que o Ipea, para ele, merece tanto respeito e tanto cuidado quanto qualquer dos órgãos sujeitos ao loteamento - ainda não concluído - que marca a formação de seu segundo governo.

A independência tem sido uma das características do Ipea desde sua criação. Durante o período militar, seus economistas produziram estudos, ensaios e artigos muitas vezes contrários à orientação da política econômica. Mantiveram seu padrão de trabalho depois da mudança de regime e forneceram material precioso tanto para o debate dos grandes problemas econômicos quanto para a formulação de políticas.

Quem quiser material de qualidade sobre assuntos tão variados quanto educação, previdência, contas públicas, agricultura, indústria, demografia, moeda, crédito, comércio internacional, tributação, distribuição de renda, infra-estrutura e administração pública pode certamente encontrá-lo na lista de seus estudos.

Foram produzidos no Ipea os trabalhos que fundamentaram as propostas de equilíbrio total das contas públicas apresentadas, ainda no primeiro mandato, pelos ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo e derrotadas pela influência da ministra Dilma Rousseff.

Também do Ipea partiram importantes propostas de reforma da Previdência, engavetadas pelo presidente Lula. Quaisquer projetos com um mínimo de realismo que o governo possa adotar na área fiscal e na reforma previdenciária conterão, certamente, elementos daqueles estudos.

Trabalhos como esses foram recebidos com desagrado, naturalmente, por setores do governo e da base aliada. Mas a função do Ipea não tem sido agradar aos ocupantes do poder. Se essa preocupação tivesse orientado sua atividade, sua produção nesses 41 anos teria sido muito menos importante e menos digna do respeito conquistado entre especialistas da academia e do setor privado.

Produzir estudos prospectivos e material para o planejamento de longo prazo tem sido parte da rotina do Ipea. A nova Secretaria de Ações de Longo Prazo poderá perfeitamente usar esses trabalhos sem que precise comandar o Instituto e interferir na sua orientação. Além disso, poderá reequipar e reestruturar o Núcleo de Assuntos Estratégicos já existente em seu organograma.

As promessas do professor Mangabeira Unger de não permitir interferências políticas no Ipea não bastam para afastar os temores de uma intervenção nociva. Seu currículo político - aliado de Leonel Brizola, guru de Ciro Gomes, crítico radical do presidente Lula e agora presidente de honra do PRB, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, e novo servidor do executivo petista - justifica todas as dúvidas. A informação de que assessores do PRB visitaram há poucos dias o Ipea, para conhecer o orçamento e o número de cargos disponíveis para livre nomeação, reforça os temores de aparelhamento político, de loteamento e de uso da instituição para fins sem nenhuma relação com o planejamento de longo prazo.

O Ipea sobreviveu de forma digna e produtiva às contingências políticas e econômicas de 41 anos. A grande dúvida, agora, é sobre como poderá sobreviver a uma intervenção resultante da aliança entre a ala estatizante do PT e o partido inspirado pelos bispos Edir Macedo e Marcelo Crivella.