Título: Evo Morales volta ao normal
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2007, Notas e Informações, p. A3

O presidente Evo Morales não completou o processo de desapropriação das duas refinarias da Petrobrás, na Bolívia, mas continua apertando o cerco à empresa e ao governo brasileiro. A áspera advertência que recebeu do presidente Lula, durante a reunião de cúpula sobre energia, na Venezuela, a respeito das conseqüências de uma eventual expropriação das instalações, teve efeito passageiro. No dia 1º de maio, nas comemorações do primeiro aniversário do Decreto Supremo que nacionalizou os hidrocarbonetos, o presidente Morales ainda se desculpou, durante o comício, por não poder apresentar uma solução imediata para o caso. Mas, logo em seguida, Evo Morales voltou ao normal.

Primeiro, o governo boliviano fez saber que, se o acordo com a Petrobrás não for alcançado no prazo de uma semana a dez dias, será assinado um decreto seqüestrando o fluxo de caixa das duas refinarias - o que equivaleria a um confisco e obrigaria a empresa brasileira a usar reservas financeiras para custear suas operações, sem grandes esperanças de retorno. Em outras palavras, a Petrobrás estaria sendo expulsa do setor de refino.

Simultaneamente, La Paz anunciou sua saída do Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (Ciadi), órgão de solução de controvérsias ligado ao Banco Mundial. Argumenta o governo boliviano que, deixando o órgão, segue o exemplo do Brasil que não se filiou ao Ciadi. Ocorre que seria ao Ciadi que a Petrobrás recorreria para se defender de qualquer atitude unilateral por parte da Bolívia, uma vez que a filial que opera naquele país está registrada na Holanda, que faz parte do Ciadi. A Bolívia reduz as possibilidades de arbitragem independente e deixa, assim, clara a intenção de dar o calote na empresa brasileira.

Não bastasse isso, fontes do governo boliviano informaram que está sendo estudado o fim do que consideram ser um subsídio ao petróleo refinado pela Petrobrás e que atende a 90% das necessidades de combustível do país. O petróleo chega nas refinarias a US$ 27 o barril - o que corresponde ao preço de produção -, mas o governo pensa em cobrar US$ 64, preço no mercado spot. Como os preços ao consumidor da gasolina e do diesel estão congelados, a Petrobrás teria grandes prejuízos com a manobra.

Na quinta-feira, o vice-presidente Álvaro Garcia Linera pôs as cartas na mesa. A Bolívia propõe pagar entre US$ 50 milhões e US$ 60 milhões por um negócio que a Petrobrás estima valer entre US$ 180 milhões e US$ 200 milhões. Em 1999, a Petrobrás pagou US$ 110 milhões pelas duas refinarias, e fez pesados investimentos na recuperação das plantas, que estavam em estado precário. Hoje, só os estoques de petróleo e produtos refinados das duas plantas valem cerca de US$ 40 milhões.

Evo Morales, por sua vez, abandonou o tom cordato do início da semana. Segundo ele, seu governo privilegia o diálogo, mas está perto do 'limite' porque a Petrobrás conduz as negociações com 'intransigência'. Intransigência, afirmou, que não é do presidente Lula, nem é do governo nem do povo brasileiro, 'mas de alguns interesses externos aos interesses da Petrobrás'. Ou seja, há fantasmas no ar.

A estratégia de Evo Morales é clara. Quer levar a Petrobrás a aceitar como fato consumado a virtual expropriação das refinarias. Afinal, ele usou o mesmo expediente para aumentar o preço do gás vendido ao Brasil e para alterar os contratos de exploração de gás e petróleo da Petrobrás - e foi bem-sucedido porque o Palácio do Planalto e o Itamaraty entenderam que deviam ajudar o líder populista a se firmar no governo boliviano.

Mas Evo Morales já consumiu todo o capital de simpatia que tinha junto ao governo lulista. Foi isso o que o presidente Lula deixou claro, na conversa que tiveram em Isla Margarita. Mas é preciso reiterar a advertência, numa linguagem que o líder cocaleiro compreenda.

O Brasil depende do gás boliviano, é fato, mas estão sendo tomadas medidas para reduzir a dependência, seja com a conversão de indústrias para o gás liquefeito de petróleo, seja pela diversificação de fontes de abastecimento. Mas a Bolívia depende de investimentos brasileiros. Sem nossa ajuda, não haverá a expansão da produção do gás, nem fábricas de biocombustíveis, nem complexos petroquímicos, nem o apoio do Brasil nos foros multilaterais, nem infra-estrutura para acesso ao Pacífico. A Bolívia tem muito a perder.