Título: Lula vai à Índia abrir portas para acordo de cooperação nuclear
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2007, Nacional, p. A4
O governo brasileiro decidiu driblar restrições internacionais e impulsionar a cooperação bilateral com a Índia na área 'soft nuclear', que envolve a pesquisa sobre os usos pacíficos dessa tecnologia na medicina e na agricultura. Ao lado da cooperação no setor espacial e do estímulo à elevação do comércio bilateral à casa dos US$ 10 bilhões em 2010, a conexão entre Brasil e Índia na complexa cooperação nuclear estará no centro dos interesses que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levará a Nova Délhi, durante a sua visita oficial, nos próximos dias 3 e 4 de junho.
A visita à Índia será a segunda escala de um périplo do presidente por quatro países, nos oito primeiros dias de junho. O circuito de 35.455 quilômetros atenderá a diferentes objetivos da política externa do governo. Mas começará com entretenimento, em Londres, no dia 1º, quando o presidente assistirá a um jogo entre as seleções brasileira e inglesa de futebol, no reconstruído estádio Wembley. Tanto na Índia como no Marrocos, a escala seguinte, a lógica é de reforço terceiro-mundista de cooperação do Brasil com as demais economias em desenvolvimento.
Na etapa final, a Alemanha, Lula mais uma vez tentará injetar as angústias do mundo em desenvolvimento nas discussões do G-8 - o grupo das sete economias mais ricas do mundo somado à Rússia. Participará da última sessão de debates no balneário de Heiligendamm, no dia 8, ao lado dos seus colegas da Índia, do México, da China e da África do Sul. Em especial, apelará em favor da conclusão da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da ampliação do uso de biocombustíveis.
PRAGMATISMO
A passagem de Lula por Nova Délhi, entretanto, desnudará a trilha da diplomacia brasileira para alcançar objetivos pragmáticos na sensível área nuclear. A rigor, o Brasil não pode firmar nenhum tipo de acordo nuclear com a Índia.
Primeiro, porque o País não tem mais arcabouço jurídico para selar tal compromisso desde a denúncia de um protocolo bilateral, em 1996, como represália aos testes nucleares de armas pela Índia. Segundo, porque a Índia não endossa o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) nem aceitou a imposição de salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Desde a visita ao Brasil do primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, em setembro de 2006, o Itamaraty trabalha pela inclusão da Índia no Grupo de Supridores Nucleares (NSG), que reúne países que possuem matéria-prima para combustíveis, entre os quais o Brasil e os Estados Unidos. Desde a semana passada, com o início do processo periódico de revisão do TNP, os diplomatas brasileiros passaram a investir também na aproximação da Índia com o clube dos países que firmaram o tratado.
A futura cooperação Brasil-Índia na área 'soft nuclear' é considerada um motivo a mais para que Nova Délhi conclua a separação entre o segmento civil e o militar de seu programa e aceite a negociação de algum tipo de salvaguarda com a AIEA.
O interesse maior da Índia está no acordo de cooperação que firmou com os EUA no ano passado e lhe abrirá uma alternativa para o fornecimento de reatores e de combustíveis para a geração de energia, além da Rússia e França. A vigência do seu acerto com os EUA depende do acordo com a AIEA.
Desde setembro do ano passado, quando se deu a reunião de cúpula do Ibas - foro que agrega a Índia, o Brasil e a África do Sul -, tornou-se público o interesse do governo Lula na cooperação nuclear com esses parceiros. Os programas dos três países são considerados complementares e os mais complexos abaixo da linha do Equador. Além disso, Brasil e Índia contam com as maiores reservas mundiais de tório - matéria-prima nuclear - e dominam a tecnologia de toda a cadeia de fabricação de combustível.
MISSÃO À LUA
Os planos da Índia de enviar uma missão tripulada à Lua até 2014 fascinaram indiretamente o governo brasileiro, mais interessado na arrojada tecnologia indiana de construção e de lançamento de satélites.
A cooperação nessa área, do ponto de vista do Brasil, poderá evitar que a Base de Alcântara, no Maranhão, torne-se uma sucata a céu aberto. As dimensões territoriais da Índia ainda apontam uma outra vertente em exploração - a venda de aviões comerciais da Embraer para companhias indianas.
Essa iniciativa tenderia a ajudar no cumprimento da meta de quadruplicar o comércio bilateral - de US$ 2,410 bilhões, em 2006 - até 2010, quando deverá alcançar US$ 10 bilhões.
Esse objetivo foi selado ao final da visita do chanceler brasileiro, Celso Amorim, ao ministro de Relações Exteriores da Índia, Pranab Mukherjee, no mês passado.
Durante a sua segunda visita a Nova Délhi, Lula e o primeiro-ministro Singh pretendem criar um grupo permanente de altos executivos de companhias brasileiras e indianas para tratar de negócios e investimentos. Trata-se de um modelo que o Brasil adotou com os Estados Unidos neste ano.
Lula e Singh deverão também dar a partida ao processo de ampliação e aprofundamento do acordo de redução de tarifas existente entre o Mercosul e a Índia, de 2004, que abrange atualmente apenas 902 itens.
DÉFICIT
Mesmo com esse acordo em vigor, o Brasil exportou para a Índia apenas US$ 936,6 milhões no ano passado - uma cifra 17,6% menor que em 2005 - e contabilizou um déficit de US$ 537,3 milhões.
1ª escala: Londres - 1º de junho Diversão: O presidente Lula assiste a uma partida de futebol entre as seleções do Brasil e da Inglaterra, ponto alto da reinauguração do estádio Wembley
2ª escala: Nova Délhi - 3 e 4
Visita oficial: Brasil e Índia iniciam a cooperação nas áreas nuclear e espacial e criam foro empresarial para aumentar o comércio e os investimentos entre os países
3ª escala: Rabat - 5 e 6
Visita oficial: Brasil e Marrocos tomam medidas para elevar o comércio bilateral e tratam da 2ª reunião de cúpula América do Sul-Países Árabes, em 2008
4ª escala: Heiligendamm - 7 e 8 Reunião do G-8 ampliado: na Alemanha, Lula participa de parte das discussões anuais do grupo das sete economias mais ricas do mundo somado à Rússia.