Título: 'Forças políticas para 2010 passam ao largo do PT'
Autor: Rosa, Vera
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2007, Nacional, p. A7

A montagem do segundo governo Lula escancarou a crise que o PT tenta a todo custo abafar. Espremidos de um lado pelo PMDB velho de guerra - que passou a ser o parceiro preferido da coalizão - e, de outro, pelo quarteto composto por socialistas, comunistas, trabalhistas e ¿verdes¿ -, os petistas perderam o espaço de interlocução com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O diagnóstico é do cientista político Aldo Fornazieri, diretor acadêmico da Fundação-Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

¿O PT está no limbo político¿, constata ele. Com a autoridade de quem conhece bem o PT, Fornazieri diz que o partido de Lula precisa mudar de agenda e apostar na reforma política, se quiser sair da encruzilhada. Mesmo assim, prevê dificuldades pela frente para o petismo, em contraposição ao sucesso do lulismo. Para o cientista político, Lula pode até mesmo ungir um candidato de fora das fileiras petistas na próxima eleição presidencial. ¿As forças que começam a se estruturar para a sucessão de 2010 passam ao largo do PT¿, observa.

A divisão do poder no segundo governo Lula tem provocado ruidosos embates entre os partidos da coalizão, liderados principalmente pelo PT e pelo PMDB. Como resolver esse impasse?

Num sistema pluripartidário como o nosso, com as coalizões se formando após as eleições para atender as exigências do presidencialismo, sempre haverá disputa por cargos e espaços. Ou se muda o sistema ou o problema será recorrente, seja qual for o governante ou o partido do governo.

Mas o PT não aceita ceder mais espaço e pede que o presidente atenda a todas as correntes do partido. Qual a razão desse distanciamento entre Lula e a cúpula do PT?

O PT ocupou espaço excessivo no primeiro mandato, ficou com marca de aparelhista e construiu a fama de não cumprir acordos. A confrontação de um aliado como Aldo Rebelo (PC do B) na disputa pela presidência da Câmara foi emblemática no reforço da imagem de partido exclusivista. Essa atitude provocou dificuldades crescentes para o presidente no relacionamento com aliados. Em conseqüência, ele teve que deslocar o PT da coordenação política e da liderança do governo na Câmara, no Senado e no Congresso. Lula também escolheu ministros petistas que são fiéis a ele, e não ao PT. Com isso, o partido perdeu espaço e força de articulação no governo e nos ministérios. O PT está agora no limbo político.

Por que limbo político?

Em primeiro lugar, a direção do partido é fraca e não tem legitimidade para interferir no jogo político. Em segundo, as forças que se estruturam para 2010 passam ao largo do PT.

Como assim?

No flanco esquerdo surgiu uma articulação que lhe é hostil, composta por PSB, PDT, PC do B e PV. Mesmo sem os ¿verdes¿, esta coalizão pretende construir a candidatura de Ciro Gomes e quer o apoio de Lula. No flanco direito do PT, o PMDB quer uma alternativa própria também por dentro da coalizão. Para complicar, alguns setores da oposição e os dois potenciais candidatos do PSDB à Presidência - José Serra e Aécio Neves (governadores de São Paulo e Minas) - flertam com Lula. O PT está prensado.

Como sair dessa crise? O Congresso do PT, em agosto, conseguirá fazer o acerto de contas interno?

Não será fácil. Se o partido sair a campo para estruturar linhas de força que levem a 2010 poderá isolar-se ainda mais dos aliados. A agenda interna do PT, orientada para o congresso partidário, tende à irrelevância pela ausência de significado do evento. Ninguém sabe bem para que este congresso servirá. Restaria ao PT, talvez, tentar mudar a agenda política orientada para 2010. Tal agenda poderia ser a reforma política.

A impressão que se tem é que Lula caminha para um lado e o PT, para outro. Qual a diferença entre o petismo e o lulismo?

Este é um grande problema que começa a preocupar líderes petistas. Um partido propriamente dito precisa ter três dimensões bem definidas: uma organizativa, outra programática e uma liderança forte e competitiva. Ocorre que lideranças importantes do PT, que se haviam legitimado em décadas de lutas, arderam nas labaredas da crise. Essas circunstâncias, aliadas à forma como ocorreu a vitória de Lula em 2006 e ao seu carisma, permitiram que o lulismo se tornasse um fenômeno mais abrangente que o PT. Não é possível antecipar se o lulismo sobreviverá como fenômeno político autônomo. O PT sobreviverá na era pós-Lula. mas será um partido sem uma liderança carismática.

Depois que os ex-ministros José Dirceu e Antônio Palocci caíram em desgraça, o presidente não tem sucessor natural para 2010. O apoio de Lula a um candidato de fora do PT seria aceito pelo partido?

É bem plausível que o presidente venha a apoiar um candidato que não seja do PT. Mas, neste caso, o PT também viria a apoiar tal nome, mesmo a contragosto. Eleger o sucessor é um ponto significativo para a biografia do presidente, além de contraponto importante à trajetória do ex-presidente Fernando Henrique.

O sr. afirmou que Lula tem capital político grande, mas não usa esse poder nem para o bem nem para o mal. O que quis dizer com isso?

Ele não usa sua força política para o bem porque não banca as reformas necessárias. Também não a usa para o mal porque não tem vocação antidemocrática. Isso tudo quer dizer que o segundo mandato andará monotonamente para frente, embalado pelos ventos favoráveis da conjuntura.