Título: A Inglaterra perderia sem a Escócia
Autor: Ash, Timothy Garton
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2007, Internacional, p. A19

Como inglês, tento definir o que penso sobre a independência da Escócia. O vencedor das eleições da semana passada, o Partido Nacional Escocês (PNE), tem isto como proposta central. na sua plataforma política. Embora 60% dos escoceses não esperem ver uma Escócia independente em menos de 25 anos, a questão está claramente posta.

Minha primeira reação é dizer: 'Bem, isso é com eles.' A Escócia é uma nação e nações têm direito à autodeterminação. Estou certo de que a Escócia se daria bem por conta própria. Mas um pouco de reflexão leva a uma resposta mais complexa.

Primeiro, a frase 'isso é com eles' não capta inteiramente a plenitude de nossas relações. Em primeiro lugar, sou inglês. Em segundo, britânico. Gosto da Grã-Bretanha, mas amo a Inglaterra. Toda a poesia, no sentido mais amplo da palavra, que fala à minha imaginação é inglesa em vez de britânica. Se tivesse que morrer por algum lugar, gostaria de morrer pela Inglaterra.

Mesmo assim, dizer 'eles' em relação aos escoceses soa falso. Estamos tão entrelaçados, desde a Lei da União, há 300 anos, que 'eles' são também parte de 'nós'. A Inglaterra não seria a mesma após uma separação. Teria de repensar a si mesma.

As atitudes inglesas serão determinantes do desfecho. É preciso dois para dançar tango, mas também é preciso dois para não dançarem. E o parceiro inglês poderá, no fim, ser aquele que se desvencilha dessa dança de três séculos.

Os leitores se lembrarão que, após o fim do comunismo, em 1989, inicialmente foram os eslovacos, incentivados pelo nacionalista Vladimir Meciar, que emitiram brados de independência. Mas foi o político checo Vaclav Klaus que manobrou uma situação na qual os eslovacos caíram na independência, sem parar para pensar se realmente a queriam. A análise de Klaus foi que terras checas maiores e mais ricas - agora a República Checa - teriam maiores chances de sucesso por conta própria.

Poderia um dia um líder conservador inglês fazer o mesmo? Se os conservadores sentirem que podem perder outras eleições gerais britânicas por causa do voto celta, a tentação certamente existirá. É improvável que isso aconteça nos próximos anos, mas está longe de ser algo impensável. De todo modo, o que os ingleses fazem, por exemplo, em relação à distribuição regional do orçamento, terá impacto sobre as decisões escocesas.

Portanto, nós, ingleses, precisamos nos fazer a seguinte pergunta: A independência da Escócia seria boa para a Inglaterra? Levando tudo em consideração, minha resposta é não. Não aceito a proposição de que o leão maldoso e racista do nacionalismo inglês seria necessariamente acordado por uma separação - que permaneceria como voz minoritária.

Nem acho que a ligeira perda de poder e influência internacional da Inglaterra pós-Reino Unido pese muito. Mas creio que a Inglaterra ficaria culturalmente mais pobre - exatamente como a República Checa é hoje culturalmente mais pobre, menos policromática e menos interessante após seu 'divórcio de veludo'.

Sem pensar muito, desfio uma longa lista de escoceses que me estimulam e enriquecem nos campos da história, política e jornalismo. E, como resultado, a Inglaterra seria menos brilhante.

Por trás disso há um argumento mais amplo. Nas suas origens, ser britânico é inquestionavelmente uma identidade imperial. Primeiro, era a Inglaterra, o império dentro das Ilhas Britânicas. No início do século 17, o rei James VI, da Escócia - depois, James I, da Inglaterra - declarou-se 'imperador de toda a ilha da Bretanha'. Depois, surgiu a Grande Bretanha, o império ultramarino no qual os escoceses desempenharam um papel importante. O nacionalismo escocês ressurgiu como uma força política no fim desse império no exterior.

Mas ser britânico se transformou em algo que merece ser preservado num mundo em que os povos cada vez mais se misturam. À medida que habitantes de diferentes partes do ex-império britânico têm vindo morar aqui em número cada vez maior, a identidade pós-imperial se tornou - irônica, mas não acidentalmente - mais liberal, cívica e até unitária.

Por acidente e não por desígnio, criamos algo bastante especial - uma nação de quatro nações, uma nação multinacional, incluindo a gloriosa instituição esportiva do 'desafio de rúgbi' entre Escócia e Inglaterra ou Escócia e País de Gales (a quarta nação é a Irlanda do Norte). Em tais ocasiões esportivas, a troca de farpas bem-humoradas que vão e vêm no programa Today da BBC entre o apresentador escocês James Naughtie, o galês John Humphrys e o inglês Edward Stourton é um modelo do tipo de patriotismo pós-nacionalista, civilizado e moderadamente irônico de que precisamos desesperadamente no mundo confuso de hoje. Se todas as nossas diferentes identidades - por exemplo, secular, cristã e islâmica - pudessem ser organizadas dessa maneira, o mundo seria um lugar melhor. Portanto, por que andar para trás num caminho em que todo o mundo precisa andar pra a frente?