Título: 'EUA destruiriam a Rússia no primeiro ataque nuclear'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2007, Internacional, p. A20

Nos últimos 50 anos vivemos sob a insígnia da Destruição Mútua Assegurada, ou MAD ('Mutual Assured Destruction', em inglês). O pressuposto era de que o número de ogivas e mísseis de longo alcance era tão grande que americanos e soviéticos poderiam destruir-se mutuamente. Foi esse jogo de dissuasão que impediu a hecatombe nuclear. Para Keir Lieber, cientista político da Universidade de Notre Dame, nos EUA, o MAD acabou. 'Os EUA já têm capacidade para destruir o arsenal de seus adversários em um primeiro ataque', disse ao Estado. Recentemente, o ex-primeiro-ministro russo Yegor Gaidar admitiu que essa tese de Lieber - divulgada em 2006 - levou a Rússia a aumentar seu orçamento militar de US$ 8,1 bilhões, em 2001, para US$ 31 bilhões, ano passado. Libere falou ao Estado por telefone.

Em que o sr. se baseia para dizer que o MAD acabou?

Por meio de um modelo computadorizado que simula um ataque hipotético dos EUA à Rússia. A conclusão foi que um ataque surpresa destruiria todas as bases russas de bombardeiros, submarinos e mísseis. Nos baseamos no pior cenário possível, levando em conta a imprecisão das armas americanas. O arsenal russo seria destruído mesmo se os mísseis americanos fossem 20% menos precisos ou se os silos russos fossem 50% mais sólidos.

O que Rússia tem feito a respeito?

Os russos têm tentado diminuir sua vulnerabilidade estratégica, mas existem limites. Mesmo que com muito dinheiro, eles não podem aumentar sua potência nuclear em curto prazo. Não se constrói um submarino de um dia para o outro.

E a China?

Assim como os russos, eles têm aumentado seu orçamento militar e isso é uma resposta à supremacia americana.

Por quanto tempo os EUA manterão a supremacia nuclear?

No ritmo em que russos e chineses estão reduzindo a diferença acredito que o MAD voltará em 15 ou 20 anos.

Qual o tamanho do poderio nuclear da Rússia?

Tanto a Rússia quanto os EUA tiveram seu poder nuclear reduzido desde o fim da Guerra Fria. A diferença é que o arsenal americano ficou menor e mais letal. O russo, não. O número de bombardeiros de longo alcance da Rússia diminui 39%, o de mísseis intercontinentais caiu 58% e o de submarinos nucleares é 80% menor. Pior: os bombardeiros estão localizados em duas bases, o que torna um ataque mais fácil. A falta de dinheiro afeta os submarinos, que realizam duas patrulhas por ano, contra cerca de 60 no período soviético. Os recursos do petróleo e do gás mudaram o quadro. Agora, com o dinheiro, a tendência é que a força nuclear russa se estabilize em 150 mísseis de longo alcance e de cinco a oito submarinos nucleares.

E a China?

Eles têm de 18 a 20 mísseis de longo alcance, mas o problema é que eles guardam os mísseis separados das ogivas.

Por que?

Porque eles usam um combustível líquido, que corrói os mísseis em 24 horas. Por isso, eles são guardados desabastecidos. É preciso pelo menos duas horas para abastecer um, pouco tempo para quem tem de responder imediatamente um ataque inimigo. O que eles fazem para compensar essa deficiência é construir silos falsos. Mas seriam necessários pelo menos mil silos falsos para que um primeiro ataque contra a China fosse tão difícil quanto contra a Rússia. Além disso, a Marinha chinesa é um desastre. Eles não têm submarinos nucleares modernos. Tinham dois mísseis balísticos submarinos, mas um afundou e o outro não está mais em operação.

Estamos perto de uma guerra nuclear?

Não acredito, mas a questão é: se os americanos se envolverem em uma crise internacional, seriam capazes de usar seu poder nuclear? Espero que não, mas acho que é perfeitamente possível. A dissuasão sempre foi um meio de impedir a guerra, mas ela tem limites.

Quais?

A orientação religiosa e o fanatismo podem fazer uma nação ignorar a dissuasão.

O sr. está falando do Irã? Quanto tempo para eles terem a bomba?

No atual ritmo, cinco anos.

Existe outro Estado que pode entrar para o clube nuclear logo?

Se o Irã chegar lá, os próximos serão Arábia Saudita e Egito.

Quem é: Keir Lieber

É professor de ciência política da Universidade de Notre Dame, EUA

Autor de War and the engineers, em que examina a relação entre política, tecnologia e as causas das guerras

Ao lado de Daryl Press, escreveu sobre o tema no artigo The end of MAD?, publicado no jornal do Massachusetts Institute of Technology, em 2006.