Título: Trânsito religioso é desafio à Igreja
Autor: Mayrink, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2007, Vida&, p. A27

O arcebispo de Salvador, cardeal Geraldo Majella Agnelo, um dos três presidentes da 5ª Conferência-Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, em Aparecida, prevê que Bento XVI tratará dos desafios que a Igreja enfrenta no continente, mas acredita que ele não descerá a problemas particulares. Defesa da vida sim, mas sem tocar especificamente em questões como aborto, sexualidade, divórcio e eutanásia. Para o cardeal, que fala sobre a viagem do papa nessa entrevista, Bento XVI dará uma orientação sobre a Teologia da Libertação.

Que quadro o papa vai encontrar na América Latina?

Quando veio o papa João Paulo II, ainda havia alguns governos fortes na América Latina, em geral militares. Hoje temos aqueles que foram legitimamente eleitos, com tendências as mais variadas. Na 5ª Conferência, que reúne bispos de toda a América Latina e do Caribe, a gente terá presente a situação peculiar de cada país. Os rumos para onde nós vamos com esses novos regimes políticos trazem preocupação.

O papa terá uma palavra sobre essa preocupação?

Eu não tenho ainda acesso ao que o papa vai dizer. Certamente vai partir do que América Latina significa para a Igreja, o que ela foi, o que ela é. Existe ainda muita religiosidade no continente, pois mais da metade de seus habitantes se diz católica. Mas são católicos no sentido de procurar aquilo que lhes satisfaz, sentindo-se independentes. O papa, eu tenho certeza, vai tocar nesse ponto. O tema da Conferência de Aparecida é um chamado para que cada um se torne um discípulo de Cristo. Numa adesão à pessoa dele, a tudo o que ele foi e ensinou.

O crescimento dos grupos evangélicos e o trânsito religioso motivaram a viagem de Bento XVI?

Não é o único motivo. Claro que se tem a preocupação, uma preocupação que é do mundo inteiro. Talvez não exista em outros lugares um trânsito religioso tão acentuado como aqui na América Latina, mas existe a deserção. Deserta-se de ser cristão. Parece que Deus não é necessário. Troca-se Deus pelo ídolo. O ídolo é aquilo que se constrói. O que se está procurando? É o bem-estar, é o prazer, é o possuir, é o poder? Muitos fazem disso o ídolo de sua vida. Acho que ser cristão hoje parece ser algo proveniente do subjetivismo, do relativismo, do individualismo. Ser cristão é abertura para o outro, é fraternidade, é solidariedade e, dentro disso, é o perdão. Falta perdão.

Bento XVI falará de questões em que são contestadas a moral e a doutrina da Igreja, como aborto, sexualidade e divórcio?

É impossível que o papa tenha todo um dicionário sobre temas que possa desenvolver. Vai falar de pontos que são globais. Por exemplo, a vida. Da vida, tem que falar. Mas não deverá entrar em todos os detalhes, como aborto, eutanásia e outros problemas mais setorizados. Isso ele vai deixar para a 5ª Conferência. Ele quer que nós bispos possamos tocar nisso.

Como está a disposição do papa? É a sua primeira viagem longa e a comparação com João Paulo II é inevitável.

João Paulo tinha 60 anos quando veio aqui a primeira vez. O papa atual fez 80 anos. São 20 anos de diferença. Ele mesmo disse, referindo-se ao que devia fazer, que a idade era muita para ele, que já estava numa idade bastante avançada. Não disse que vá fazer o mesmo que João Paulo II. Está dando preferência às viagens que tenham um objetivo muito preciso. Ele não vem aqui fazer uma visita pastoral a todo o Brasil. Vai ficar só em São Paulo e em Aparecida.

Como será o encontro com os bispos, na Catedral da Sé?

Pelo tempo, não vai haver muito tempo para dialogar ou para ouvir. Haverá uma saudação, sem dúvida, de um dos bispos. Depois ele vai cumprimentar os cardeais, os presidentes de regionais da CNBB e só esses terão a oportunidade de falar com ele.

A viagem do papa custa caro. Há críticas até internas, questionando que se gaste tanto quando a Igreja se diz pobre.

Em primeiro lugar, são os jornalistas que acompanham o papa que pagam o avião. Quanto ao país que o acolhe, sendo ele também chefe de Estado, o governo que tem que garantir a segurança. Vindo a São Paulo, como será o deslocamento dele? O povo vai procurar ver o papa. Tem de haver segurança e organização. Não é a Igreja que está gastando. Analisar a visita do papa sob esse prisma de gastos é uma visão muito estreita.

O papa falará sobre a Teologia da Libertação em Aparecida?

Acho que ele não vai setorizar os problemas Mas, de passagem, acredito que falará alguma coisa assim: 'Estudem, mas não façam da teologia uma instrumentalização para partido político ou sobretudo para uma ideologia'.