Título: Bem-vindo, Bento, queremos ouvi-lo
Autor: Altemeyer, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2007, Vida&, p. A29

O Brasil recebe um humilde trabalhador na vinha do Senhor. Assim Bento XVI quer ser identificado. Bento vem em missão de paz. Vem hospedar-se no Mosteiro de São Bento, coração da capital paulistana, para ecoar o refrão: ora et labora, como equilíbrio salutar da Igreja comprometida com os pobres e aberta à transcendência. Uma Igreja capaz de articular o horizontal e o vertical nas hastes da cruz de Cristo, como o profetizara o arcebispo e poeta d. Hélder Pessoa Câmara.

Quem nos visita com amor paternal é o filho caçula de Joseph Ratzinger e Maria Peintner. Natural de Marktl am Inn, nascido em 16 de abril de 1927, num sábado santo. Homem que saiu das terras bávaras e que jamais deixou que a Baviera saísse de dentro de si. Alguém que guarda como tesouro inabalável o amor a Virgem Maria, pois sua terra é a que emitiu o primeiro selo postal do mundo dedicado à mãe de Deus em 14 de fevereiro de 1920. Podemos compreender sua escolha de Aparecida como lugar crucial da 5ª Conferência-Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe.

Vivera toda sua juventude aos pés dos Alpes e às margens de lagos maravilhosos como o Chiemsee, o Schmale e o Kõnigssee. Essa presença marcará seu amor às artes e sua fineza estética. Sua terra natal é a terra do barroco e do rococó. Famosas são as igrejas dos mosteiros de Banz e de Ettal, e a linda Wieskirche, de 1754 que é a jóia do rococó bávaro.

Compreender Bento XVI é saber que a luz é o personagem principal da Igreja e saber que o contraste é o recurso estilístico por excelência. O eros barroco é um eros de antítese, de oposições estridentes, de sentimentos conflituosos. Uma arte de movimentos que se contrariam. As imagens religiosas barrocas nada têm de estáticas ou serenas. Emile Male advertiu que a arte barroca privilegia as visões e os êxtases. Como ele diz: 'Os santos da Idade Média faziam milagres; os santos da Contra-Reforma são milagres'. O barroco vive do contágio emotivo.

Nosso atual papa é o homem das emoções na busca do infinito que é ofertada pela contemplação. Com 17 anos, mudou-se para Traunstein, fronteira com a Áustria de Mozart, no coração da região de Chiemgau, entre Munique e Salzburgo. O papa aprenderá a amar a música e a degustar Mozart. Ele se afirma um mozartiano. Viverá o drama da guerra e, nessa experiência, tornar-se-á companheiro dos sofrimentos da humanidade.

COOPERADOR DA VERDADE

Antinazista desde a infância e critico intelectual de todo reducionismo. Particularmente das submissões criadas pela banalidade do mal e pela tentação do bem. É o teólogo que dialoga com Agostinho e Boaventura.

Alguém que crê como São Bento que a humanidade é capaz de viver a tensão entre o otimismo pelagiano e o pessimismo sensato de Agostinho. Crê que somos capazes de manter livre e lúcida a cultura pelos esforços da razão e pela docilidade à graça de Deus. Seu lema episcopal é Cooperatores Veritatis. Ser um cooperador da verdade e enfrentar o secularismo e o relativismo, apresentados como ditaduras.

A Igreja é um serviço de amor a um mundo fragmentado. Como disse em Münster nos idos de 18 de junho de 1965: 'O dever missionário requer, antes do mais, coragem e disponibilidade para encarar toda a realidade cristã e também toda a realidade humana. Encarar não significa aprovar tudo, mas fazer com que o Cristo se torne tudo em todos e tudo'.

Seu pastoreio universal preocupa-se com a Europa e a perda de sua alma espiritual. Mas o papa sabe que o lugar do futuro é a China. Saberá o cristianismo atender aos apelos do Cristo que clama do Oriente? Retomaremos a proposta do jesuíta Mateo Ricci, mal compreendido pela Cúria Romana quatro séculos atrás? Será fecundo o diálogo com o Islã, a unidade com os ortodoxos e a desejada visita à Moscou?

Essa viagem do papa é a primeira ao Hemisfério Sul. Ele vem como pastor e chefe de Estado, para confirmar ecumenicamente a fé, a esperança e o amor dos cristãos latino-americanos. Muitos estão preocupados e ansiosos com o que ele vai falar em terras brasileiras. Quais serão os termos do discurso e os recados papais? Poucos falam que o papa quer nos ouvir. Conhecer o coração das gentes brasileiras, seus sonhos e suas músicas. Aquelas que brotam de Deus: 'Deus vos salve casa santa, onde Deus fez a morada, onde mora o cálix bento e a hóstia consagrada. Pensamento mau fique fora, não entre comigo dentro, veja que eu vou louvar o santíssimo sacramento'. Bem-vindo, Bento. Queremos muito ouvi-lo e falar de nossa fidelidade ao Deus da vida.